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Quem tem medo da inflação?

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Por Redação
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Estimulada pela presidente Dilma Rousseff, aplaudida por muitos empresários e criticada por outros como insuficiente, a redução dos juros básicos parece ter chegado a um limite, pelo menos por enquanto. A economia brasileira funcionará por longo tempo com taxa básica de 7,25% ao ano, a julgar pela ata da última reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), divulgada ontem. Cinco dos oito membros do comitê votaram pelo corte. Segundo eles, "o cenário prospectivo para a inflação ainda comportava um último ajuste nas condições monetárias". A palavra "último" é uma indicação preciosa, de um tipo muito raramente incluído nos comunicados do Copom ou nos pronunciamentos de qualquer diretor do Banco Central (BC). O texto menciona, ainda, a intenção de manter as atuais condições por um período "suficientemente prolongado" para garantir a convergência da inflação para a meta, isto é, para 4,5%. Predominou, portanto, uma opinião um tanto otimista. Segundo essa opinião, os aumentos de preços nos últimos meses foram causados basicamente por um choque de oferta de alimentos, decorrente da seca nos Estados Unidos e de problemas em algumas áreas produtoras do Brasil. Essas condições serão superadas e, além disso, a maior parte das economias desenvolvidas ainda crescerá muito lentamente por um bom tempo. A crise prolongada terá efeitos desinflacionários no mercado global. Como complemento, a taxa neutra de juros, em queda há alguns anos, deverá continuar caindo no Brasil. A taxa neutra é aquela compatível com um crescimento econômico razoável sem geração de pressões inflacionárias. Para alguns analistas, no entanto, é um erro perigoso atribuir a inflação dos últimos meses unicamente, ou quase, a um choque de oferta no mercado de alimentos. Esses analistas apontam a demanda como um fator importante, sustentado pelo alto nível de emprego, pela massa de rendimentos ainda bem maior que a de um ano antes e pela ampla oferta de crédito. Mais de 60% dos itens cobertos pelas pesquisas de inflação têm subido e isso confirma claramente uma ampla contaminação de preços. Além do mais, o encarecimento dos serviços é normalmente um indício de pressão de demanda. Esse tipo de risco foi levado em conta, segundo a ata, pelos três diretores contrários ao novo corte de juros. Além disso, estímulos monetários e fiscais já em vigor seriam suficientes, segundo argumentaram, para movimentar a economia. Esses efeitos, como se observa na ata, são defasados e cumulativos. A ata resume as informações discutidas nos dois dias de reunião do Copom e tomadas como referências para a decisão sobre os juros. Várias dessas informações justificariam uma atitude mais prudente. O texto menciona a oferta apertada de mão de obra, o alto nível de utilização da capacidade instalada e a considerável expansão do comércio acumulada em 12 meses, até julho - de 7,5% para o varejo "simples" e de 5,9% para o varejo ampliado, isto é, com inclusão de veículos e componentes. De modo geral, o Copom parece dar pouca importância ao evidente descompasso entre o crescimento da demanda interna - principalmente de consumo - e a expansão da oferta industrial. A diferença se traduz no aumento da importação, um claro amortecedor das pressões inflacionárias. Por enquanto, os incentivos concedidos tiveram efeito muito limitado sobre a produção industrial. É necessária uma dose considerável de otimismo para apostar num reequilíbrio do mercado interno dentro de um prazo razoável. Para este ano, pelo menos, as projeções de comércio exterior divulgadas pelo BC estão longe desse otimismo. Até agora, nada justifica, nos cenários do próprio Copom, um otimismo maior em relação ao comércio no próximo ano. A atitude da presidente e de seus ministros econômicos em relação a incentivos, preços, proteção comercial e juros tem sido claramente voluntarista. Haveria menos motivos para preocupação se pelo menos os dirigentes do BC se mostrassem imunes a esse voluntarismo. Mas tem sido e continua sendo muito difícil acreditar nessa imunidade.