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Realidade e ficção

O tempo pode curar feridas, mas no caso da Previdência ele só as agrava. A tibieza dos que colocam interesses eleitorais acima do interesse público é nociva

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Por Redação
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A Constituição de 1988, em seu artigo 201, consagrou o princípio contributivo como um dos norteadores da formulação de políticas concernentes à Previdência Social. Isso significa dizer que, ao contrário do auxílio estatal que é prestado aos necessitados por meio da oferta dos serviços de saúde e educação públicos, por exemplo, ou a adoção de programas de assistência social, o sistema previdenciário tem natureza onerosa, ou seja, para fazer jus aos benefícios previdenciários futuros, como pensões e aposentadorias, os cidadãos precisam contribuir para o seu financiamento no presente.

Em outras palavras, uma geração de trabalhadores em idade economicamente ativa é responsável pelo sustento da Previdência que há de servir às gerações futuras, assim como os beneficiários que dela hoje usufruem tiveram suas remunerações asseguradas pelas contribuições dos trabalhadores que os antecederam.

Em tese, é de incontestável justiça este modelo de financiamento geracional, aqui adotado como a forma de custeio do Regime Geral de Previdência Social (RGPS), do qual depende a garantia de renda futura para a vasta maioria dos trabalhadores brasileiros. Entretanto, toda a harmonia desse modelo de financiamento previdenciário fica seriamente comprometida quando uma geração não consegue desviar os olhos do presente para pensar com a devida responsabilidade sobre o futuro.

Em boa medida, isso explica a enorme dificuldade que sucessivos governos tiveram para formular e aprovar propostas de reforma do sistema previdenciário que, por mais duras e impopulares que fossem, eram absolutamente necessárias para atacar o crescente déficit do setor, um problema que há muito era conhecido. Aqui não se pode deixar de registrar a coragem com que o presidente Michel Temer resolveu patrocinar uma agenda tão desgastante politicamente, mas imperiosa aos olhares de todos os cidadãos genuinamente preocupados com o futuro do País.

Atualmente, o rombo do INSS corresponde a 2,8% do Produto Interno Bruto (PIB). Se o Congresso Nacional não aprovar já a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 287/2016, que trata da reforma da Previdência, o déficit que hoje já é estonteante chegará a 11,3% do PIB em 2060. Tal advertência cívica, pode-se dizer, foi feita pelo Tesouro Nacional no relatório Aspectos Fiscais da Seguridade Social, publicado na quarta-feira passada.

No documento, o órgão contesta a falácia do superávit do sistema previdenciário, cantilena repetida por quem, a pretexto de apresentar uma crítica falsamente embasada à atual proposta, pretende, na verdade, manter privilégios que são atacados pela proposta em discussão no Congresso Nacional. O relatório mostra que o crescimento das despesas não vem sendo acompanhado pelo aumento das receitas, principalmente pela diminuição da taxa de natalidade e o envelhecimento da população. O déficit passou de R$ 32,2 bilhões em 2007 para R$ 239,4 bilhões em 2014, um impressionante aumento de 650% no rombo nas contas da Previdência em menos de uma década. Já passou, e muito, o tempo de dar um fim a um dos mais vorazes predadores de nosso futuro.

Ainda de acordo com o relatório do Tesouro Nacional, a não aprovação da reforma da Previdência significa jogar sobre as costas de crianças e jovens que hoje têm até 25 anos – mais de 80 milhões de brasileiros – um ônus de cerca de R$ 110 mil por pessoa a fim de que o déficit atuarial do setor possa ser zerado.

Os que não agem agora com firmeza e coragem diante deste descalabro – um assalto às futuras gerações – parecem ter uma ideia ficcional do Estado, como se num passe de mágica esta entidade imaginária será capaz de prover os recursos necessários para o sustento da Previdência. Trata-se de um gravíssimo equívoco. Ignorar um problema não o torna menos grave e tampouco facilita sua solução.

O tempo pode curar muitas feridas, mas no caso da Previdência ele só as agrava. Mais nociva do que o passar do tempo, no entanto, é a tibieza dos que colocam interesses eleitorais acima do interesse público.