Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Reforma desnecessária

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Por Redação
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Dos institutos jurídicos que estão sendo revistos e modernizados pelo Poder Legislativo, o mais polêmico é o Código Comercial. Editado em 1850 e sancionado por d. Pedro II, ele é um dos textos legais mais desatualizados do direito brasileiro, dele só restando eficazes os dispositivos relativos ao direito comercial marítimo.Para substituir o Código Comercial foram apresentados dois projetos. Com 670 artigos, um tramita na Câmara desde 2011 e é de autoria do deputado Vicente Cândido (PT-SP). O outro, que tem 1.103 artigos, tramita no Senado desde 2013. Foi redigido por uma comissão de juristas que teve como relator o professor da PUC-SP Fábio Ulhoa Coelho, indicado pelo ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo. Na justificativa de suas propostas, os responsáveis pelos dois projetos alegaram que as relações empresariais no século 21 são muito mais complexas do que as do século 19, quando o Código Comercial foi editado, exigindo tratamento jurídico moderno, desburocratizado e capaz de inserir o País no mercado globalizado. Observaram que as matérias relativas a direito comercial se encontram espalhadas por diferentes leis, o que dificulta sua aplicação. E disseram que o anacronismo do Código vigente não garante segurança jurídica ao empresariado.Os dois projetos não reduzem a obrigação legal da empresa e do empresário e não alteram as obrigações fiscais da empresa e de seus sócios. Mas alteram o regime contábil, encurtam prazos prescricionais, dão novo tratamento aos contratos de compra e venda mercantil, disciplinam o comércio pela internet e regulam os títulos eletrônicos. Também contêm inovações polêmicas e absurdas. Uma delas atribui ao Ministério Público a competência legal para requerer a anulação de contratos por "descumprimento de função social", sem esclarecer o que a expressão significa, o que abre caminho para que promotores e procuradores passem a interferir no cotidiano das empresas. Outra inovação polêmica é a permissão para que os juízes nomeiem "facilitadores" que os ajudem nos processos mais complexos, o que pode levá-los a julgar com base em relatórios feitos por esses auxiliares - portanto, sem terem lido os autos. Os dois projetos - que afetam cerca de 12 milhões de empresas e empreendimentos privados - têm recebido críticas contundentes da iniciativa privada e dos meios jurídicos. Entidades de classe alegam que eles são altamente intervencionistas, restringindo a liberdade negocial dos empresários a pretexto de proteger as partes mais fracas nos contratos comerciais. Também afirmam que os projetos contêm princípios jurídicos que são do direito do trabalho e do direito do consumidor, o que desorganiza o ordenamento jurídico. Nos meios acadêmicos, os comercialistas advertem que, por terem uma redação prolixa e um uso excessivo de princípios, os projetos estimulam o ativismo político de juízes e promotores, a pretexto de corrigir "falhas de mercado". "Abrir espaço para ideologias não favorece o livre mercado", disse Otávio Yazbek, professor da Fundação Getúlio Vargas e ex-diretor da Comissão de Valores Mobiliários, em recente debate com Ulhoa Coelho.Na realidade, o País não necessita de um novo Código Comercial. Desde 2002, o direito empresarial é disciplinado em sua maior parte pelo Código Civil. E as questões mais técnicas são tratadas por textos legais específicos - como a Lei das Sociedades Anônimas, a Lei dos Títulos de Crédito e a Lei de Recuperação das Empresas. Nos meios empresariais e jurídicos, o temor é de que um Código Comercial com graves problemas conceituais e concessões ideológicas acabe afetando microssistemas jurídicos já consolidados, como as legislações que tratam do sistema financeiro, do mercado de capitais, do direito concorrencial, da propriedade intelectual, dos seguros, da previdência complementar e do direito do consumidor.Neste momento em que o País necessita de novos investimentos para voltar a crescer, os dois projetos de Código Comercial mais atrapalham do que ajudam, visto que geram insegurança jurídica e desestimulam a criação de novas empresas.