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Opinião|Relatório anual do TST

Atualização:

O primeiro Relatório Geral elaborado pelo Tribunal Superior do Trabalho (TST) que conheço se refere a 1967 e traz informações referentes ao quinquênio 1963-1967. Colocado ao lado do último, alusivo a 2014, provoca sensações opostas: reforça a convicção de que a Justiça do Trabalho é operosa e célere, porém revela que as relações de trabalho estão contaminadas por letal vírus da litigiosidade. Contratar empregado converteu-se em aventura de alto risco, dominada pela insegurança jurídica responsável pelo fenômeno do “passivo oculto”. Construí a carreira em sindicatos de trabalhadores. De 1961, quando me inscrevi na OAB, até 1983, ao me afastar da advocacia para assumir a Secretaria do Trabalho do governo Montoro, trabalhei em diversas entidades sindicais, das menores às maiores, dos setores têxtil, metalúrgico, químico-farmacêutico. Admiro a Justiça do Trabalho, cuja intimidade conheci quando ministro no Tribunal Superior do Trabalho e ao exercer a corregedoria-geral, a vice-presidência e a presidência. Move-me, nesta análise, o desejo de propor caminhos para a redução do avassalador número de demandas, com medidas que, sem afetar os assalariados, revigorem o mercado de trabalho. O relatório de 1967 nos mostrava a Justiça do Trabalho pequena, mal instalada, integrada por homens de sólida cultura jurídica, a exemplo de Hildebrando Bisaglia, Lima Teixeira, Arnaldo Sussekind, Raimundo Souza Moura. Em São Paulo, poucas Juntas de Conciliação e Julgamento e reduzido Tribunal Regional do Trabalho (TRT) se espremiam em prédio da Rua Rego Freitas. No Rio de Janeiro - à época capital da República -, o TST, o TRT, e o Ministério do Trabalho conviviam no mesmo edifício. A situação era pior nos demais Estados. A falta de instalações adequadas afetava a imagem e o funcionamento da Justiça, cuja integração ao Poder Judiciário fora determinada na Constituição de 1946. Segundo o Relatório Geral de 1967, no período de cinco anos a Justiça do Trabalho recebeu, nas Juntas das antigas oito regiões, 1,5 milhão de processos, julgados quase na mesma quantidade. Os tribunais regionais receberam 91 mil e o TST, 45 mil. No total deram entrada, nas três instâncias, 1,669 milhão, sendo julgados 1,604 milhão. Consideradas as condições de desenvolvimento em que o Brasil se achava, os números já eram preocupantes; longe estavam, entretanto, do que hoje nos mostram relatórios anuais divulgados pelo TST. Limito-me a alguns dados contidos no documento alusivo a 2014, cuja consulta é possível acessando o site do tribunal. Já não temos oito tribunais regionais, mas 24. São Paulo tem dois e os demais Estados e o Distrito Federal, um cada, com exceção de Acre, Roraima, Amapá e Tocantins. São, no total, 3.027 juízes para as 1.537 Varas do Trabalho distribuídas por 626 municípios, cuja jurisdição abrange todo o território nacional. É de 520 o número de desembargadores e são 27 os ministros do TST. Entre 2006 e 2014 deram entrada no primeiro grau 18.836.889 feitos, ou seja, em média acima de 2 milhões por ano. São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro recebem o maior número de processos. No extremo oposto encontramos Acre, Tocantins, e Roraima, com menos de 0,5%. As matérias mais comuns referem-se a horas extras, aviso prévio, intervalos intra e interjornadas, FGTS, danos morais. Despertam atenção os valores pagos a reclamantes. Em 2011, R$ 14.758 bilhões; em 2012, R$ 18.632; em 2013, R$ 24.248, em 2014, R$ 16.322, no total, em apenas quatro anos, de quase R$ 74 bilhões. Não questiono se resultaram de condenações justas ou injustas, equilibradas ou exageradas. De qualquer modo, são quantias vultosas, que reforçam a convicção de que o Brasil, em cenário global caracterizado pela extrema competitividade, é palco de intermináveis conflitos entre empregados e empregadores, um dos muitos responsáveis pelo elevado custo final de produtos e serviços. No rol de entidades e sociedades com maior número de processos em tramitação encontramos órgãos da administração direta federal, estadual e municipal, estatais, sociedades de economia mista, multinacionais, instituições financeiras, grupos econômicos, médias, pequenas e microempresas, fundações, instituições culturais, recreativas e filantrópicas, sem fins lucrativos, e pessoas físicas, tratados com igual rigor por legislação uniforme e míope, que lhes ignora substantivas diferenças. Uma das razões está na introdução à Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). Ali se acham as definições de empregado, empregador e grupo econômico. Lá encontramos, também, o princípio do contrato realidade, fundado na falsa ideia de que todo trabalhador adulto é hipossuficiente, vítima de desenvolvimento mental retardado, situação que lhe assegura tutela vitalícia do Estado em assuntos relacionados ao contrato de trabalho. Aos 18 anos torna-se capaz de direitos e obrigações para os atos da vida civil, exceto, porém, no que se refere à condição de empregado. Independentemente do que se pense, a crise e o desemprego se agravam, alimentados por fatores externos sobre os quais o País não exerce controle, e pela força inercial interna, que preserva arcaica legislação trabalhista e protege a estrutura sindical enraizada na Carta Del Lavoro. Passam-se décadas e a cansativa rotina vivida por magistrados, servidores e tribunais não garante segurança jurídica às relações entre patrões e empregados. O “passivo oculto”, por exemplo, terror dos empregadores, acaba de ser engordado mediante combinação de julgados do Supremo Tribunal Federal e do TST, que elevou em 36%, com efeito retroativo, o índice de correção monetária. “No Brasil até o passado é imprevisível.” Os empregadores sabem como é real a frase do ex-ministro Pedro Malan.*Almir Pazzianotto Pinto é advogado, foi ministro do Trabalho e presidente do Tribunal Superior do Trabalho

Opinião por Almir Pazzianotto Pinto