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Retrocesso na Cracolândia

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Por Redação
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Com todos os problemas que já tem e que o poder público não consegue resolver - e por isso a situação ali se arrasta há anos -, o pior que poderia acontecer à Cracolândia é que a isso viesse se somar a falta de entendimento entre os governos municipal e estadual. Pois foi o que aconteceu na quarta-feira entre a Guarda Civil Metropolitana (GCM) e a Polícia Militar (PM), cujos movimentos sem coordenação, na desmontagem da chamada "favelinha" erguida na região, acabaram resultando em confronto que deixou pelo menos dois feridos. Segundo informações de integrantes da GCM, a expectativa era de que a retirada dos barracos dos dependentes de crack ocorreria sem resistência e, por isso, foi previsto que a ação para tal contaria apenas com a ajuda do efetivo da PM estacionado no local. Essa previsão não se confirmou e os ânimos se exaltaram tão logo a operação começou. Em outras palavras, não houve a preparação e o planejamento necessários para o desmonte da "favelinha" por parte dos vários órgãos da Prefeitura envolvidos na questão - dos de segurança aos de assistência social. A reação dos dependentes, que puseram fogo em montes de lixo na rua e usaram pedras e pedaços de pau para tentar evitar a remoção de seus abrigos precários, fez com que fosse pedido reforço à PM. Para restabelecer a ordem e possibilitar a conclusão da operação, a Tropa de Choque teve de agir com energia e jogar bombas de gás lacrimogêneo e de efeito moral. O tumulto e o temor de que a situação escapasse do controle levaram à Cracolândia vários secretários - Luciana Temer (Assistência Social), Eduardo Suplicy (Direitos Humanos), Arthur Henrique (Trabalho) e Ítalo Miranda (Segurança Urbana). A operação, que começou de manhã, só foi terminar à noite. O objetivo, segundo o comandante da GCM, Gilson Menezes, foi "fazer um trabalho de reorganização do espaço público e apreender as barracas e os carrinhos de grande porte onde as pessoas guardam drogas e armas". Portanto, era mesmo preciso desmontar a "favelinha". Na verdade, sua montagem deveria ter sido impedida desde que começou. Ou melhor, recomeçou, porque ela já havia sido montada e desmontada antes. A Prefeitura pagou pelo erro de não ter cortado o mal pela raiz, pois nada justifica tolerar favela, grande ou pequena, em pleno centro da cidade, e ainda com aquelas características apontadas por Menezes. Outro erro evidente foi a Prefeitura não combinar a ação com o governo do Estado. O secretário estadual de Segurança Pública, Alexandre de Moraes, tem razão em suas queixas a respeito disso. Diz ele que o que tinha sido acertado num primeiro momento é que a Prefeitura faria o cadastramento do pessoal da "favelinha" e seria montada em conjunto uma operação para recolher as barracas e as lonas, mas a Prefeitura se antecipou e a Secretaria não foi avisada. Esse entendimento não só é sugerido pelo mais elementar bom senso, como também se impõe em decorrência de um acordo de cooperação firmado no começo do ano por Moraes e pelo prefeito Fernando Haddad, com o objetivo de coordenar os serviços de informação da Prefeitura e do Estado para reunir dados sobre os traficantes que operam na Cracolândia. Com isso se pretende, como disse Moraes na ocasião, impedir, tanto quanto possível, a chegada de drogas a essa região. Nesse contexto, não faz o menor sentido a Prefeitura agir sem o devido entrosamento com a PM nessa importante questão do desmonte da "favelinha". Em vez de tratar diretamente desse desencontro, Haddad preferiu dizer que o tráfico dificulta a realização do programa da Prefeitura voltado para a recuperação dos dependentes: "Não conseguimos trabalhar com assistência na presença de um traficante armado". Independentemente do mérito discutível de seu programa De Braços Abertos, ele tem razão quanto ao tráfico. Mas a ação contra os traficantes, como ele sabe perfeitamente, depende das Polícias Civil e Militar. Logo, sem estreita colaboração da Prefeitura e do Estado - e foi ao contrário disso que acabamos de assistir -, não se avançará na solução do problema da Cracolândia.