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Revolução no comércio internacional

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Por Rubens Barbosa
3 min de leitura

Fonte de crescimento e de emprego, o comércio internacional está em meio a significativas mudanças, lideradas por EUA e China, que procuram ajustar suas políticas externas e comerciais à nova ordem internacional multipolar. Observa-se hoje a proliferação de acordos regionais e bilaterais e a multiplicação de medidas restritivas e protecionistas, em grande parte devidas ao fracasso das negociações multilaterais da Rodada Doha e ao enfraquecimento da Organização Mundial do Comércio (OMC).As limitações políticas e técnicas da OMC refletem as dificuldades para responder aos desafios surgidos com as novas formas de organização da produção e de serviços e com a crescente integração dos países às cadeias produtivas globais. Para voltar a ter um papel central no sistema de comércio internacional a OMC deveria passar por uma ampla reforma a fim de ajustá-la às mudanças globais dos novos tempos. O processo decisório de uma instituição de 158 membros tornou-se muito mais complexo, embora os procedimentos tenham continuado com poucas mudanças em relação a 1995, quando, no momento de sua criação, havia apenas 76 membros. A questão da cláusula de nação mais favorecida, um dos principais pilares da OMC e do antigo Gatt, o tratamento preferencial e diferenciado e o princípio do "single undertaking" (ou compromisso único) nas negociações multilaterais (nada está aprovado enquanto todos os acordos não estiverem aprovados) estão sendo contestados e provavelmente terão de sofrer ajustes para responder aos desafios emergentes. Novos conceitos como cadeia de fornecimento global e manipulação das taxas de câmbio terão impacto sobre as negociações internacionais.Em reação a essas mudanças, os EUA, a Europa e a Ásia estão avançando entendimentos para a negociação de acordos de livre-comércio de grande porte. A Parceria Trans-Pacífica, liderada pelos EUA, concentra 40% do PIB global e inclui Austrália, Malásia, Vietnã, Cingapura, Nova Zelândia, Chile, Peru, Brunei, Canadá, México e talvez Japão e Coreia do Sul. Os EUA já haviam firmado acordos com o Canadá e o México (Nafta) e mais recentemente com Panamá, Colômbia, Peru, Chile e Coreia do Sul. A União Europeia, apesar da pesada burocracia de Bruxelas, finalizou acordo de livre-comércio com a Coreia do Sul e está negociando com Cingapura e Canadá. E iniciou conversação com o Japão e o Mercosul. Bruxelas e Washington conversam para avançar os entendimentos de um mega-acordo de comércio e investimento, chamado de Acordo de Livre Comércio Transatlântico (Tafta, na sigla em inglês). A Ásia, numa completa mudança de posição, embarcou numa série de acordos de livre-comércio regionais, sob a liderança da China e do Japão, inclusive com países sul-americanos.Sendo os EUA e a Europa dois dos principais parceiros do Brasil, é importante entender o significado do Tafta e suas implicações para os países que ficarem de fora.A eventual formação de uma área de livre-comércio entre essas duas regiões englobará três quartos do mercado financeiro, metade do PIB global e quase um terço do comércio internacional. Grupo de Trabalho de Alto Nível criado pela União Europeia e por Washington deverá apresentar ainda neste mês as suas recomendações. Serão sugeridas, entre outras regras, a inclusão de serviços e investimentos, compras governamentais, propriedade intelectual e outras regras gerais de comércio, além da eliminação das tarifas e barreiras não tarifárias. Haverá um período de transição durante o qual seriam excluídas as reduções tarifárias de "produtos sensíveis" e a desregulamentação de "certos setores" em serviços. Espera-se que as negociações possam começar em meados do corrente ano. Evidentemente, essa ambiciosa agenda apresentará dificuldades para conciliar história, cultura e práticas locais, como padronização, Buy American Act, patentes farmacêuticas (genéricos), meio ambiente e leis trabalhistas, sem falar de problemas políticos de outra magnitude, como a eventual saída do Reino Unido da União Europeia.Os países em desenvolvimento poderão ficar muito afetados pelos mencionados mega-acordos de livre-comércio, pela exclusão dos benefícios, por obrigá-los a aceitar compromissos de difícil cumprimento e pelo fortalecimento do poder internacional dos setores financeiros, talvez os principais beneficiários desses processos de integração econômica e comercial.Nesse contexto de grandes movimentos de transformação no comércio internacional, o Brasil está sem estratégia de negociação comercial.Caso os acordos EUA-União Europeia (Tafta) e dos EUA com países asiáticos (Trans-Pacific Partnership) sejam concluídos, o Brasil ficará alijado dos dois maiores fluxos de comércio internacional. A eliminação de tarifas entre os países-membros desses dois blocos afetará ainda mais a competitividade dos produtos brasileiros, que praticamente ficarão excluídos desses mercados.A política Sul-Sul dos últimos dez anos, no tocante à África e ao Oriente Médio, pouco resultou do ângulo comercial. A Aliança do Pacífico (Chile, México, Peru e Colômbia) representou uma ação geoeconômica importante pela aproximação dos EUA e da Ásia. O Mercosul, que pediu para ser observador da Aliança, encontra-se em situação de quase total isolamento. Nos últimos dez anos firmou três acordos de livre-comércio com Israel, Egito e Autoridade Palestina, além de acordo de preferência tarifária com a Índia e a África do Sul. A negociação do grupo com a União Europeia torna-se crucial para podermos estar sintonizados com essas transformações globais.Se as negociações com a Comissão Europeia não avançarem, não restará alternativa ao Brasil, no âmbito do Mercosul, senão fazer um acordo em separado com a União Europeia, para resguardar nossos interesses.* PRESIDENTE DO CONSELHO DE COMÉRCIO EXTERIOR DA FIESP