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Opinião|Risco de mais décadas perdidas

Atualização:

Pensar o impensável – um futuro de décadas perdidas – nos alerta para a necessidade de tomar providências estruturais o quanto antes. (meu artigo Armadilhas institucionais imobilizantes, no Estadão de 30/6/2015, explora essa questão da moldura institucional paralisante: corrupção sistêmica, dívida pública explosiva, carga tributária escorchante, subinvestimento, bu(r)rocraia e ampla economia informal). A ameaça é real. O descaminho trilhado pelo PT nessa direção já fez estragos monumentais.

A rigor, não é de hoje que estamos crescendo abaixo de nosso potencial, com perda de posição relativa, como comprovado no livro Ficando para Trás – Explicando a Crescente Distância entre a América Latina e os Estados Unidos (2008), organizado por Francis Fukuyama. A posição do Brasil relativamente à renda média per capita americana pouco mudou desde 1970.

Por quê? Eis a questão. Ainda que haja controvérsias, a melhor resposta está no livro do professor Daron Acemoglu, do Massachusetts Institute of Technology (MIT), Por que as Nações Fracassam. Em linhas gerais, o que ele afirma é que o desenvolvimento resulta da qualidade do aparato político-institucional dos países. Em especial da educação de qualidade e dos incentivos ao exercício efetivo da cidadania e do espírito empreendedor, emperrado entre nós pelo cipoal da bu(r)rocracia e pela carga tributária sufocante. Os indicadores do Doing Business sempre nos são muito desfavoráveis desde seu ano inicial de 2004, com piora nestes anos dilmistas. E certamente o seriam antes se tivessem sido computados nas décadas anteriores.

A melhor ilustração do que seja a qualidade das instituições de um país são os casos das duas Coreias e das duas Alemanhas. Nelas temos o mesmo povo, a mesma língua, a mesma cultura, a mesma raça, a única diferença são as instituições, ou seja, o aparato político e econômico. Os alemães ocidentais, logo após a reunificação, referiam-se a seus irmãos da Alemanha Oriental como um bando de preguiçosos ineficientes. Eliminado o setor privado, todos passaram a ser funcionários públicos, com baixo nível de iniciativa individual. Quanto mais obedientes ao bu(r)rocrata-chefe, maior era a recompensa para subirem na hierarquia do partido. Se pensou no Brasil atual, caro leitor, acertou na mosca.

A Coreia do Norte comparada à do Sul torna cristalino como as instituições comunistas castram um povo que em tudo o mais é semelhante. Enquanto esta última atingiu renda per capita de Primeiro Mundo no espaço de cerca de uma geração, com empresas de porte internacional e tecnologia de ponta, a do Norte tem tido dificuldade de alimentar seu próprio povo. Quase aceitou receber alimentos dos EUA em troca de interromper seu delírio nuclear.

O Brasil de hoje é vítima de um aparato político (instituições) que sufoca o crescimento de sua economia. Assim como se descobriu na antiga União Soviética e na China que a luta de classes era o motor enguiçado da História, cabe a nós também trocar o nosso por outro para avançar de fato, livrando a Nação do astronômico custo Brasil. Se tivermos a capacidade de encolher o governo, com base numa reforma política em profundidade, com a adoção do parlamentarismo (com cláusula de desempenho) e simplificação dos entraves legais, tributários, previdenciários e burocráticos para resgatar o tempo perdido, aí, sim, deixaremos de colecionar décadas perdidas.

Podemos, nesse caso, seguir com segurança o conselho de Peter Drucker, para quem farejar o futuro nas frestas do presente – ou inventá-lo – é a garantia de prever certo. Foi o que ele fez após estudar as tendências demográficas dos EUA e da Europa. Anteviu que o aumento da longevidade das pessoas iria abrir um imenso mercado de bens e serviços para idosos. Também aconselhou Jack Welch a se concentrar em produzir apenas os dois produtos mais rentáveis em seus diversos segmentos de mercado. Foi assim que ele conseguiu a proeza de dar um salto quântico no faturamento da mastodôntica GE nos 20 anos em que esteve à frente da empresa.

Esses dois exemplos nos servem bastante bem. O crescimento da população de idosos nos alerta para o fato de ser imperioso ampliar para 65 anos a idade mínima para a aposentadoria. E ainda mudar o critério de reajustes dos aposentados na faixa de um salário mínimo: manter seu poder aquisitivo, mas sem conceder aumentos reais, como ocorreu em período decenal recente, em que dobrou em termos reais. A reativação do investimento público passa por esses dois itens em volume considerável.

Quanto a concentrar recursos nas áreas mais rentáveis, o caminho inescapável é a reindustrialização do País. Não só é possível como é condição sine qua non para a retomada do crescimento em bases sustentáveis, cujos fundamentos são a inovação e a elevação substancial da produtividade. Exatamente o que nos faltou nos últimos 30 anos. Essa é a visão do economista coreano Ha-Joon Chang, Ph.D. por Cambridge, onde leciona Economia, em sua instigante entrevista ao jornal Valor de 29/1. Ele vai fundo: não acredita em mundo pós-industrial, pois a indústria continua a ser a “maior fonte de novas tecnologias”. Com razão, ele nos alerta que “países com alta produtividade em commodities e serviços lançam mão das tecnologias desenvolvidas na indústria para elevar a produtividade em outros setores”.

Apostar nossas fichas nas ações indispensáveis de combate à corrupção é condição necessária, mas não suficiente, para ir adiante. É mister restaurar o clima de confiança favorável ao investimento e à rentabilidade, passaportes para a inovação e a elevação da produtividade. Mais: entender o lucro como fonte de recursos para implementar esses dois requisitos vitais para recuperar o tempo perdido. Em suma, reindustrializar não é a bandeira de um setor, mas do País como um todo para nos livrar de um futuro de décadas perdidas.

*GASTÃO REIS RODRIGUES PEREIRA É EMPRESÁRIO E ECONOMISTA