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Risco de mais guerra fiscal

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Por Redação
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A guerra fiscal entre Estados será legalizada, com graves prejuízos para a economia brasileira, se for convertido em lei um desastroso projeto do senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) aprovado na semana passada pela Comissão de Infraestrutura do Senado. Pelo projeto, bastarão três quintos dos votos para o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) admitir incentivos tributários concedidos por um governo estadual. Como única exigência adicional, terá de haver pelo menos um voto de apoio de cada região. Pela norma em vigor há cerca de 40 anos, só uma decisão unânime pode validar o benefício fiscal. O conselho é formado por secretários de Fazenda de todos os Estados e do Distrito Federal e por um representante da União. Esse representante, o secretário executivo do Ministério da Fazenda, Nelson Barbosa, já se disse contrário ao projeto. Mesmo com a exigência de unanimidade, a concessão de isenções jamais aprovadas pelo Confaz tornou-se comum, a partir dos anos 80. Foi usada como forma de atração de investimentos principalmente nas regiões menos industrializadas. Governos estaduais passaram a conceder vantagens sob várias formas - reduções, isenções de impostos ou diferimentos por longos períodos, além de terrenos e outras facilidades. Essa política afetou as decisões sobre localização industrial, sobrepondo-se a outros fatores normalmente levados em conta no planejamento industrial, como disponibilidade de mão de obra capacitada, proximidade dos mercados e condições de infraestrutura.O recurso a essa política por muitos Estados generalizou a guerra fiscal e transformou as políticas de atração de investimentos num grande leilão. Empresas ganharam vantagens excepcionais, enquanto os Estados passaram a suportar custos crescentes para atrair investimentos ou reter as companhias já instaladas. Houve prejuízos para os Estados mais desenvolvidos, em geral os mais afetados pela guerra, e uma distorção dos mecanismos de alocação de recursos. Para justificar a guerra fiscal, governadores alegaram a insuficiência ou inexistência de políticas federais de desenvolvimento regional. Nunca deixaram, no entanto, de recorrer a transferências federais para fechar suas contas e também para compensar, naturalmente, o custo fiscal dos incentivos. Governos apelaram ao STF contra os incentivos ilegais concedidos em outros Estados. A transferência do assunto para a esfera judicial comprovou a ineficácia do Confaz, desde seus primeiros anos, como foro de articulação e disciplina das políticas tributárias dos Estados. O STF considerou ilegais 23 leis de seis Estados, mas as decisões foram em alguns casos demoradas e, além disso, os governos encontraram meios de contorná-las e de restabelecer com pequenas alterações os benefícios proibidos.Eliminar a guerra fiscal foi um dos objetivos centrais de todos os projetos de reforma tributária apresentados nas duas últimas décadas. Em todos os debates, representantes das regiões mais interessadas nessa guerra tentaram negociar longos prazos para a extinção dos incentivos ilegais. Como nenhuma reforma foi concluída até agora, o assunto continua aberto. Só se avançou na discussão de propostas para alteração das alíquotas interestaduais, uma das formas de neutralizar ou reduzir os benefícios, e na criação de um "comitê de notáveis" para rediscussão do pacto federativo. O problema decorre, em boa parte, de um risco assumido em 1966-67, quando se decidiu a adoção, no Brasil, do modelo europeu do imposto sobre o valor agregado. O Imposto sobre Circulação de Mercadorias (ICM, hoje ICMS, por causa da inclusão de serviços) foi instituído como tributo estadual. Na Europa, impostos semelhantes são administrados pelo poder central. Os poderes locais recebem sua parte por meio de repasses. No Brasil, a decisão inicial facilitou a guerra tributária e, além disso, possibilitou a existência de 27 legislações com importantes diferenças - um pesadelo para as empresas. A uniformização será um grande desafio em qualquer reforma decente.