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Opinião|Riscos não tradicionais

Atualização:

Enquanto o Brasil decide seu futuro, a economia global continua seu curso. Devagar e sempre, ela vem se recuperando. Mas há riscos no processo. Alguns riscos são os tradicionais, merecem a atenção dos mercados e são acompanhados de perto, como os de crise na China e de recessão no mundo, ou, ao contrário, o de que os juros nos EUA tenham de subir mais rapidamente que o esperado. Porém há outros riscos, que são mais difíceis de mensurar e avaliar. Os mercados os têm subestimado. São os riscos não tradicionais, como a saída do Reino Unido da União Europeia (UE) ou a eleição de Donald Trump, nos EUA. Não são os cenários mais prováveis, mas se ocorrerem terão consequências relevantes. Não dá para ignorá-los.

Desde a crise financeira internacional em 2008, o mundo ainda não encontrou suas novas fontes de crescimento robusto. Mas também não sucumbiu a uma nova recessão global, receio que gerou pânico no mercado neste início de ano.

Não sucumbiu, mas o risco ainda existe. A China continua sendo o maior risco global, capaz de causar uma recessão global. Seu desafio é o de rebalancear a economia, voltando-se para a economia doméstica em detrimento das exportações e, ao mesmo tempo, aumentando o consumo à custa de reduzir o excesso de investimento (aquele que parece improdutivo).

Os sintomas que preocupam os mercados são a baixa produtividade e o excesso de endividamento (nos bancos) do setor corporativo estatal e a saída de capitais da China, que alguns acreditavam ser uma fuga para o exterior. Se vier uma crise, com fuga de capitais, a consequência será uma desvalorização do renminbi e uma parada brusca da atividade econômica do país, levando a uma recessão global e provocando quedas bruscas dos preços internacionais de commodities. O mundo sofreria, as economias exportadoras de commodities em especial.

Por sorte, esse risco é monitorado de perto pelos analistas e pelo mercado, sem falar nas autoridades chinesas, que têm claros esses desafios. Nada disso garante o sucesso, mas não seria uma surpresa.

O outro risco que está sendo monitorado com atenção é o fim abrupto do período de juros zero, liquidez abundante, que tem beneficiado as economias emergentes. Quem está mais perto de subir os juros este ano são os EUA. O risco é de o Federal Reserve (Fed), o banco central dos EUA, ser surpreendido pela inflação e forçado a subir a taxa de juros mais rapidamente que o esperado pelo mercado.

Nesse caso, o aperto monetário pelo Fed reverterá o fluxo de capitais global, com saídas de capitais dos emergentes em direção aos EUA, dificultando a recuperação das economias emergentes, que têm lidado com queda da atividade e dificuldades de ajuste à queda das commodities.

De certa forma, são riscos opostos: se houver recessão global vinda da China, não haveria inflação, e o Fed não deveria subir os juros.

No entanto, o que mais preocupa são os riscos não tradicionais. Não são os riscos da China ou da subida dos juros do Fed, mas aqueles que deixam de ser riscos e se aproximam de incertezas. Essas incertezas são piores que riscos porque são difíceis de mensurar. Riscos se calculam, incertezas se evitam.

Normalmente a incerteza leva à paralisia, como é o caso do investimento no Brasil nos últimos anos. Mas o fato de os juros no mundo se encontrarem a taxa zero (ou negativa) e a liquidez ser abundante empurra os investidores a tomar risco e, mesmo, a ignorar a incerteza.

Os mercados estão subestimando alguns riscos e ignorando incertezas, principalmente as novas, as menos tradicionais.

Um exemplo de risco não tradicional são as eleições nos EUA. São baixas as chances de eleição de Donald Trump, mas, se for eleito presidente dos EUA, muitos acreditam que haveria consequências geopolíticas relevantes e aumento abrupto da incerteza econômica. Os investidores teriam dúvida quanto à sustentabilidade fiscal do governo federal. Segundo a estimativa do Tax Policy Center (Centro de Política Fiscal, instituição criada pelo Brookings Institution e pelo Urban Institute), a proposta fiscal de Trump elevaria a dívida do governo federal em US$ 11,2 trilhões na próxima década. A implicação de curto prazo seria a redução do investimento privado, o que no médio prazo deveria limitar o crescimento potencial da economia norte-americana.

Os EUA estão crescendo apenas moderadamente no momento, embora sejam a economia que mais cresce. Muitos temem que a eleição de um governante considerado populista na maior economia do mundo desencadeie uma crise mundial.

Outro exemplo de risco não tradicional é o referendo sobre a saída do Reino Unido da UE, em 23 de junho. Um voto favorável ao chamado “Brexit” – termo que significa British exit – lançaria incertezas tamanhas que provavelmente reduziriam o crescimento do Reino Unido. Estimamos que a saída do Reino Unido reduziria o crescimento potencial de 2,5% para 1%-1,5%. E teria impacto direto e indireto sobre o resto da Europa, afetando a capacidade de recuperação da região após a severa crise recente. A estagnação seria provável; a recessão, uma possibilidade.

Nesse contexto, um aumento dos fluxos migratórios no verão também pode ter repercussões políticas, favorecendo partidos de oposição que levantam a bandeira anti-integração na Europa. Na Alemanha, a chanceler Angela Merkel tem sofrido pressão por causa da sua posição pró-imigração. Tanto uma saída do Reino Unido da UE quanto os fluxos de imigração dificultam a integração da Europa.

O Brasil precisa sair da atual crise fiscal e política. Depende mais dos seus próprios esforços. Mas o cenário global pode ajudar ou atrapalhar. Há vários riscos globais que têm merecido a atenção dos mercados – risco de nova recessão ou subida de juros nos EUA. Contudo os riscos menos tradicionais, como a saída do Reino Unido da UE ou a eleição nos EUA, merecem mais atenção. Tomara que permaneçam apenas como riscos.

*Ilan Goldfajn é economista-chefe e sócio do Itaú Unibanco

Opinião por Ilan Goldfajn