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Opinião|Rombo fiscal: depois do fim da linha

Em 20 de novembro de 2017, escrevi nesta coluna o artigo Rombo fiscal: fim da linha, em que procurei argumentar, como muitos colegas economistas vinham fazendo, que os gigantescos déficits primários registrados anualmente eram insustentáveis

Atualização:

Em 20 de novembro de 2017, escrevi nesta coluna o artigo Rombo fiscal: fim da linha, em que procurei argumentar, como muitos colegas economistas vinham fazendo, que os gigantescos déficits primários registrados anualmente eram insustentáveis, e que o governo, apesar de ter proposto ao Congresso medidas estruturais para corrigir o problema (e aprovado algumas), parecia confortável em manter, no curto e no médio prazos, esses buracos. 

Enfatizei que o dispositivo constitucional conhecido por regra de ouro (artigo 167-III da Constituição), que proíbe a emissão de dívida pública para financiar despesas correntes, nestas incluídos os juros da dívida, em breve não seria mais possível de ser cumprido. O grifo é para chamar a atenção de que a conta de juros também precisa ser financiada por receitas, não pela emissão de títulos, o que em geral vem sendo omitido nas matérias publicadas sobre o assunto.

Foi com surpresa e decepção que tomei conhecimento pela imprensa da intenção do governo de suspender a necessidade de cumprimento desse dispositivo, em troca da imposição de maiores restrições ao crescimento de gastos públicos como, por exemplo, contratação, promoções e aumentos de salários de servidores. Ora, é ingênuo, para dizer o mínimo, supor que em pleno ano eleitoral o Congresso aprovaria medidas restritivas dessa natureza. Se o Executivo propuser a flexibilização da regra de ouro, acompanhada de tais restrições ao gasto, o grande risco é de que se aprove apenas a primeira parte da proposta.

O problema é o buraco fiscal, não a regra de ouro. Não é conveniente, tampouco necessário, suspender esse dispositivo. A própria Constituição exclui da restrição as emissões de títulos “(...) autorizadas mediante créditos suplementares ou especiais com finalidade precisa, aprovados pelo Poder Legislativo por maioria absoluta”. Claro, não se poderá usar tal caminho de forma rotineira, todo ano. Mas, para 2019, parece ser a melhor saída. Há diversas outras alternativas em 2019 para contornar o problema, dentro da lei, mas o espaço aqui não me permite entrar em detalhes.

E depois? Bem, o novo governo, com ou sem regra de ouro, precisará adotar medidas, além da reforma da Previdência, que estanquem a sangria fiscal. E há muito o que fazer nesse sentido. Cito aqui só uma possível frente de ação, que um novo governo, em início de mandato, terá chances de levar adiante no Congresso. Refiro-me ao volume espantoso de renúncias tributárias, que em 2018, segundo estimativas oficiais, alcançarão R$ 283,4 bilhões. Claro, muitas delas são altamente meritórias e não têm a mínima probabilidade, do ponto de vista político, de serem extintas. Mas vejamos exemplos de renúncias que podem e devem ser revistas.

Tomemos os seguintes itens: Simples Nacional, R$ 80,7 bilhões; desoneração da cesta básica, R$ 24,2 bilhões; entidades sem fins lucrativos, imunes ou isentas, R$ 23,6 bilhões; desoneração da folha de salários, R$ 14,8 bilhões; deduções às empresas que (supostamente) prestam benefícios aos trabalhadores, R$ 11,6 bilhões; isenções a medicamentos, produtos farmacêuticos e equipamentos médicos, R$ 10,1 bilhões; entre muitos outros. Não proponho aqui a revogação pura e simples dessas renúncias, o que não faz sentido. No entanto, a análise séria dos custos e benefícios desses programas, bem como a correção dos abusos, poderia resultar em aumento da arrecadação de cerca de 50% dos valores citados, ou seja, mais de R$ 80 bilhões anuais.

Nem com isso será possível respeitar a regra de ouro? No momento, é difícil de saber, pois a retomada do crescimento poderá propiciar surpresas positivas em relação à arrecadação tributária, como ocorreu no final de 2017. Mas, se não for, que se avance no ajuste fiscal, não podendo descartar alguma elevação de tributos. O que não se pode é continuar cavando o buraco. Após o fim da linha, o que vem é o abismo.

* Economista, diretor-presidente da MCM Consultores, foi consultor do Banco Mundial, subsecretário do Tesouro Nacional e chefe da assessoria econõmica do Ministério da Fazenda

Opinião por Claudio Adilson Gonçalez
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