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Opinião|Sair do buraco num mundo de incertezas

Ou buscamos novos rumos ou aceitamos a mediocridade como destino

Atualização:

A severidade da crise nacional e as novas incertezas introduzidas no cenário internacional pela mudança de governo nos Estados Unidos impõem ao Brasil fazer escolhas sempre adiadas . A boa notícia é que não há alternativas. Ou buscamos novos rumos, com a coragem que o momento exige, ou aceitamos a mediocridade como destino.

A aprovação de um limite constitucional para o gasto público indica que o Congresso Nacional, embora desacreditado, entendeu a gravidade da situação. Veremos se agirá de forma consequente e aprovará as reformas necessárias para reduzir o déficit estrutural das contas públicas e outras medidas que aumentem a confiança de consumidores e investidores. O fato é que o País começou o difícil ano novo tendo dado um passo crucial na direção correta da racionalidade. A ênfase que o novo prefeito de São Paulo, João Doria Júnior, e muitos de seus colegas que assumiram o cargo esta semana deram, nos discursos de posse, à transparência, à ética e à eficiência na prestação dos serviços públicos indica que a ficha começou a cair.

No passado, quando se aventava a hipótese de o Brasil ser engolfado por um desastre como o que hoje nos atormenta, políticos, burocratas, empresários e intelectuais tendiam a minimizar a possibilidade, dizendo que o Brasil era “maior do que o buraco”. Se foi, não é mais. Com um déficit fiscal anual equivalente a mais de 10% do produto interno bruto (PIB), o País cabe hoje na cratera que sucessivos governos, mas em especial o de Dilma Rousseff, cavaram para acomodar demandas crescentes e insustentáveis de dinheiro público e privilégios injustificáveis em qualquer economia, mas especialmente numa que padece há anos de acelerada perda de eficiência e competitividade.

Que a catástrofe tenha resultado de receita caseira, como relatam Claudia Safatle, Ribamar Oliveira e João Borges no livro Anatomia de um Desastre, sublinha outra lição útil para avançar. Desta vez, não há como dizer que a crise nos foi imposta e que, para superá-la, devemos primeiro tratar de causas que nos são alheias e enfrentar as injustiças de um sistema internacional que conspira contra a nossa prosperidade.

Não se deve, é claro, subestimar a instabilidade da nova conjuntura internacional. E será sempre necessário agir para proteger e promover os interesses da Nação, supondo-se que saibamos quais são eles. Ironicamente, nesse quesito a sucessão nos Estados Unidos oferece possibilidades. Donald Trump ganhou as eleições denunciando a Parceria Transpacífica (TPP), que a administração Barack Obama promoveu como parte de uma estratégia para limitar a ascensão e o poder econômico da China e esvaziar a Organização Mundial de Comércio (OMC), com torcida contra no Brasil.

No TPP, o Brasil está com Trump – Com a chegada de Trump à Casa Branca, “a rejeição do TPP deve ocorrer”, previu o embaixador do Brasil nos EUA, Sérgio Amaral, em recente entrevista. Segundo ele, “o fato de não haver TPP pode ser interessante para nós” e levar a uma aproximação entre o Mercosul e as economias mais abertas da Aliança do Pacífico (Chile, Peru, Colômbia e México). Em tese, isso facilitaria a abertura comercial, sem a qual o País não sairá do atoleiro.

Avançar nesse caminho pressupõe que o Brasil recuperará o crescimento e a credibilidade internacional malbaratada em anos recentes. A diplomacia do protagonismo frívolo da era Lula reduziu a Nação a uma espécie de celebridade na ilusória passarela do prestígio internacional. Nada produziu e, pior, deu cobertura a atividades ilícitas de empresas que gozavam de reserva de mercado e tinham aliados poderosos no poder para assaltar estatais. Eis aí outro bom ensinamento do desastre: o protecionismo gera ineficiência e estimula a delinquência.

É uma boa notícia que os donos da Odebrecht e altos funcionários da empresa tenham reconhecido que erraram, aceitado pagar por seus crimes e pedido desculpas à Nação. Sem prejuízo das críticas aos excessos de promotores e juízes, que assumem papéis que não lhes cabem no vácuo deixado pela falência da política, há que celebrar que os Judiciários do Brasil, dos EUA e da Suíça tenham trabalhado juntos nas investigações. O resultado, expresso no acordo que o Departamento de Justiça dos EUA anunciou com a Odebrecht dias antes do Natal, no maior caso de corrupção já registrado, aponta para relações institucionais mais maduras e produtivas, balizadas pelo império das leis, entre as duas maiores democracias das Américas.

Há, por fim, que evitar que a instabilidade esperada da era Trump, que começou com o Brexit e pode aumentar com novos triunfos do populismo na Europa, sirva como pretexto para nos desviar dos árduos desafios que a realidade impõe. Não há nada no processo que levou à saída do Reino Unido da União Europeia ou conduziu Trump ao poder em Washington que exima o Brasil da responsabilidade de ajustar as contas públicas, executar as reformas estruturais que a crise impõe e alicerçar o novo padrão ético que as investigações e os julgamentos dos malfeitos comprovaram viável e salutar, com decisivo apoio da sociedade. Os desafios não teriam sido outros se Hillary Clinton tivesse vencido as eleições. E não serão diferentes se Trump revelar-se o desastre que muitos temem ou o sucesso que poucos preveem.

No caso das mudanças por vir em Washington, a boa notícia para o Brasil, se alguma há, é que o País não é parte dos problemas citados por Trump. Supondo-se a retomada do crescimento e a reconstrução em curso e o uso eficiente do capital diplomático de que dispõe, o País tem espaço para ser parte de soluções em temas como defesa e paz, aviação e espaço, agricultura, segurança alimentar e sustentabilidade, nos quais nossos interesses convergem mais do que divergem dos dos EUA e de outras nações de porte.

Não garante um feliz 2017, mas é um bom roteiro.

*Jornalista, é diretor do Brazil Institute no Woodrow Wilson International Center for Scholars, em Washington