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São Paulo subdesenvolvida

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Por Redação
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O vendaval de terça-feira teria causado muito menos problemas a milhões de paulistanos e de habitantes da Grande São Paulo, se a região tivesse uma infraestrutura mais parecida com a das zonas urbanas do mundo civilizado - especialmente no setor elétrico. Ventos de até 81 km por hora perturbariam a vida de qualquer cidade, especialmente quando acompanhados de chuva pesada, mas basta muito menos do que isso para instalar o caos na capital paulista e na vizinhança. Na quinta-feira de manhã, mais de um dia e meio depois da tempestade, 570 mil pessoas permaneciam sem abastecimento de água na região metropolitana, porque várias instalações da Sabesp estavam paralisadas por falta de eletricidade. Duas estações elevatórias já haviam ficado desligadas por mais de 24 horas e mais 10 horas seriam necessárias para a normalização do funcionamento, segundo nota distribuída pela companhia de água e saneamento. Algumas comparações podem dar uma ideia mais clara do significado desse número - 570 mil. No Reino Unido apenas três cidades têm mais de 500 mil habitantes e uma delas é a capital, Londres. Na França, oito cidades têm população igual ou superior a meio milhão de pessoas. A população ainda privada de água na manhã de quinta-feira superava o número de moradores de cidades como Ribeirão Preto, Jundiaí e Sorocaba ou, ainda, o de centros importantes como Atlanta, Kansas City e Cleveland, nos Estados Unidos. Na sexta-feira, alguns bairros continuavam sem luz. Na noite do vendaval, a interrupção da energia elétrica infernizou a vida de milhões. Seiscentos mil imóveis, na maior parte residenciais, foram afetados. Só essa conta envolve 2,5 milhões de pessoas. Mas os problemas foram muito além da falta de luz em residências e empresas. No começo da noite de terça-feira havia 71 semáforos inoperantes. Um dia depois, 39 continuavam apagados ou piscando. A lentidão do reparo foi apenas parte do problema. As equipes da Eletropaulo teriam muito menos trabalho, afinal, se a rede fosse menos vulnerável a ventos, chuvas, quedas de árvores e golpes causados por quaisquer objetos. A vulnerabilidade é parte da paisagem de São Paulo. A eletricidade é distribuída quase exclusivamente por meio de rede aérea, isto é, por meio de uma complexa fiação ligada a postes e muito mais sujeita a acidentes do que seria uma rede subterrânea. Chuvas moderadas são suficientes para danificar o sistema. Ventos de categoria muito inferior à de um vendaval podem causar a queda ou a ruptura de fios. Árvores ou galhos podem afetar a rede mesmo sem cair. E é considerável o risco de queda de árvores velhas, mal conservadas e corroídas pelo cupim.A rede elétrica aérea de São Paulo é uma das últimas do mundo, fora das áreas mais pobres e menos desenvolvidas. Fios elétricos visíveis na paisagem urbana são uma raridade na maior parte da Europa e dos Estados Unidos. Mesmo em países com economias muito menores - no Norte da África, por exemplo - boa parte da rede já é enterrada. A fiação aérea é uma das marcas mais visíveis do subdesenvolvimento urbanístico de São Paulo, o mais importante centro econômico do Hemisfério Sul. Enterrar toda a rede aérea será muito caro e levará muito tempo, dizem os técnicos. Pode ser. Mas os custos impostos à capital econômica do Brasil são certamente muito maiores, quando qualquer acidente interrompe o fornecimento de eletricidade. Qual a dimensão da perda, quando milhares de empresas informatizadas paralisam seus negócios porque os computadores deixam de funcionar? Esse universo inclui firmas de todos os tamanhos, desde pequenas lojas até grandes grupos envolvidos na mais dura competição global.A infraestrutura da capital econômica do Brasil já foi superada em países bem menos industrializados. A rede de metrô, iniciada com atraso secular, continua minúscula diante das necessidades. O sistema viário é deficiente, mal concebido e mal administrado. O sistema elétrico - tanto mais importante quanto mais avançada a tecnologia adotada pela sociedade - é mal estruturado e assustadoramente inseguro. A cidade de São Paulo não chegou sequer ao final do século 20.