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Opinião|Seguidores em dissonância cognitiva

Líderes enganadores que já deviam estar fora da política continuam a assombrar nosso futuro

Atualização:

Os fatos que vêm sendo trazidos à tona nestes anos da Lava Jato – e seus desdobramentos em delações, condenações e prisões – têm exposto de maneira crua e vívida os desmandos de personagens que estiveram envolvidos nesse amálgama bárbaro de corrupção, ideologia e incompetência. Sinalizações bastante claras do que estava sendo gestado datam certamente de mais de 12 anos atrás. Desde aquele momento, crescente número de apoiadores do malfadado regime optou por se afastar de seus principais atores, não mais dando seu suporte por meio de atos, argumentos ou votos. Como esperado, a avalanche de evidências e provas de malfeitos dos últimos três anos só fez esse número aumentar mais e mais.

Entretanto, surpreendentemente há ainda um contingente não desprezível de cidadãos, em diferentes nichos da sociedade que continuam a seguir e defender – direta ou veladamente – essas deploráveis lideranças, mesmo após haverem sido expostas por uma montanha de fatos, evidências, provas e condenações. As linhas que seguem tentam trazer alguma luz a esta questão, que nos deixa perplexos: por que alguns indivíduos optam por defender alguém em quem depositaram seus anseios e expectativas, mas por quem foram lógica e objetivamente traídos por ações e decisões não condizentes com os valores e comportamentos desses mesmos indivíduos?

Antes de mergulharmos na questão propriamente dita, é necessário separar da análise aqueles que não estão sendo ou não foram de modo algum traídos, mas mantêm seu apoio por opção pragmática, motivados por recompensa ou coerção. Assim, há os que participam das benesses – salários, verbas, favores, posições de poder, indicações ou sobras dos esquemas de corrupção – e há ainda aqueles que foram beneficiados e seguem com seu apoio na expectativa de continuarem a ser favorecidos por ações ou políticas específicas, como nos exemplos do Bolsa Família e dos financiamentos de carros e bens de consumo duráveis em 60 ou 72 meses. Em ambos os casos, esses apoiadores ou compartilham os valores e a moral exposta pelos fatos, ou simplesmente não consideram a questão relevante: são apenas imorais ou amorais. A coerção, felizmente, em nosso contexto não faz parte da equação, pois não nos assemelhamos a uma Venezuela, Cuba ou Coreia do Norte, países onde qualquer hesitação pública no apoio aos “grandes líderes” pode levar à prisão ou à morte.

Isto posto, voltamos nossa atenção para os indivíduos que apoiam líderes que têm atitudes e valores incongruentes com seus próprios. As mulheres e os homens que apoiaram os últimos governos, em sua imensa maioria, certamente o fizeram acreditando que eles seriam capazes de levar a um maior desenvolvimento social e econômico, à diminuição das desigualdades e a melhores níveis de educação, saúde e segurança. Os fatos e a realidade vistos, todavia, constituíram um desastre político e econômico sem precedentes e o maior caso de corrupção sistêmica da História. Por que, então, cidadãos – e, de maneira recorrente, figuras que expõem em público suas opiniões, como acadêmicos, jornalistas e artistas – que buscam respeitar as leis, não mentem compulsivamente e não são autoritários em suas atitudes cotidianas conseguem conviver com a contradição de apoiar líderes que fazem desses comportamentos desviantes a essência de seu modo de ser?

Leon Festinger – 1919-1989, psicólogo americano e pesquisador do MIT e de Stanford – desenvolveu o conceito de dissonância cognitiva e estabeleceu as formas adotadas pelos indivíduos para aplacá-la. Segundo ele, as pessoas naturalmente buscam equilíbrio e consistência em suas ações e crenças. Quando uma pessoa vivencia dois conjuntos contraditórios de crenças, ideias, valores ou comportamentos, ela entra num estado de “desconforto mental e estresse psicológico”. Devido à necessidade de equilíbrio, essa inconsistência na compreensão da realidade fará o indivíduo procurar mecanismos de redução dessa dissonância. Para Festinger, quando um indivíduo se defronta com uma situação em que experimenta suas crenças seus e valores serem desacreditados pelos fatos, ele pode reagir simplesmente mudando sua compreensão da realidade e aceitando que seu próprio comportamento ou posicionamento precisam ser mudados. Porém, muito frequentemente, esse indivíduo “fará um enorme esforço para justificar a manutenção de sua perspectiva” distorcendo, rejeitando ou tentando desacreditar as informações que conflitam com suas crenças presentes.

Em resumo, aplicando a teoria à questão em foco, quando um líder é desmascarado pelos fatos, muitos seguidores têm a coragem de admitir que foram enganados e passam a uma posição crítica. Mas parte deles se ocupará em tentar justificar seu suporte por meio de uma ou da combinação das linhas de ação que seguem: 1) racionalizar e distorcer a realidade (“são todos iguais”, “a corrupção já existia antes”, “a justiça é enviesada”, “fez muito pelos pobres”, “será transformado em mártir”, “isso é perseguição política”); 2) ignorar os fatos (“não quero mais saber de política”, “não leio os noticiários”); e/ou 3) negar as informações (“isso tudo é mentira”, “não acredito nas notícias”, “não há provas”). Reagindo dessas três formas, esses indivíduos reduzem a dissonância cognitiva e prosseguem se equilibrando entre dois conjuntos antagônicos de valores, mas desconsiderando a realidade escancarada à sua frente e seguindo no apoio a quem se mostrou objetivamente indigno de seus valores e crenças. Infelizmente, como consequência, líderes enganadores e ardilosos se arrastam num patamar de poder e influência que não mais deveriam sustentar e, com isso, continuam a nos assombrar – e a assombrar nosso futuro – num momento em que já deveriam estar totalmente fora do jogo político.

* FABIO DE BIAZZI É DOUTOR EM ENGENHARIA PELA POLI-USP, AUTOR DO LIVRO “LIÇÕES ESSENCIAIS SOBRE LIDERANÇA E COMPORTAMENTO ORGANIZACIONAL”, FUNDADOR DA EFFECTIVE LEADING, PROFESSOR DO INSPER E DIRETOR ACADÊMICO DA BRAIN BUSINESS SCHOOL