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Sentença preocupante

O magistrado sugere que o responsável pela violência registrada nas manifestações foi o Estado, uma versão no mínimo discutível dos fatos, tendo em vista a notória presença naqueles atos de grupos aguerridos que ali estavam para promover atos de vandalismo

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Por Redação
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A Procuradoria-Geral do Estado já deixou claro que vai recorrer da sentença do juiz Valentino Aparecido de Andrade, da 10.ª Vara da Fazenda Pública, que multou o governo do Estado de São Paulo em R$ 8 milhões por danos morais e sociais sob a alegação de que a Polícia Militar (PM) usou violência desproporcional durante as manifestações de 2013. É bom mesmo que o faça, porque aquela sentença, além da multa, tem também elementos que constituem uma interferência indevida e altamente preocupante do Judiciário na forma que o Executivo conduz a administração pública.

A ação civil pública que deu origem à sentença foi apresentada em 2014 pela Defensoria Pública do Estado, que aponta o que considera excessos da PM naqueles protestos. O magistrado sugere que o responsável pela violência registrada nas manifestações foi o Estado, uma versão no mínimo discutível dos fatos, tendo em vista a notória presença naqueles atos de grupos aguerridos que ali estavam para promover atos de vandalismo: “Pode-se afirmar que o elemento que causou a violência nos protestos foi o despreparo da Polícia Militar, sobretudo pela falta de um plano de atuação, ou ao menos um plano de atuação que fosse aplicado em todos os protestos”.

Com base em teses como essa, o magistrado interveio na forma de agir da PM, não hesitando em descer a detalhes. Ele obriga o governo “a elaborar um projeto de atuação de sua Polícia Militar, a aplicar-se quando se trate de manifestação de populares em protestos”. E ensina: “Agir não significa necessariamente dispersar. Agir deve significar manter a ordem pública, mas atuando a compasso com o objetivo de garantir o direito de reunião e de manifestação”.

Não surpreende que ele tenha também proibido a utilização pela PM, em atos desse tipo, de armas de fogo, balas de borracha e gás lacrimogêneo, “salvo em situação excepcionalíssima, quando o protesto perca, no todo, seu caráter pacífico”. Como não foram indicados os critérios para determinar com precisão quando isso ocorre – só faltava essa –, caberá à PM fazê-lo, correndo o risco de ser novamente acusada de passar do limite.

Os elementos que tornam inquietante a sentença não param aí. O magistrado compara a atuação da PM em dois momentos – em 2013, “com desmedida violência”, e por ocasião dos protestos em favor do impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff, “de forma adequada”. E faz a propósito uma pergunta: “Teria a Polícia Militar aplicado o mesmo plano de ação de que se utilizara em 2013, ou conforme a finalidade do protesto aplicou um diferente plano de atuação?”. Fica no ar a dúvida sobre se o governo utilizou dois pesos e duas medidas. Pode-se perguntar então se é da alçada de uma sentença judicial tratar, nesses termos políticos, de uma questão como essa.

A propósito da clara interferência, e em detalhes, do titular da 10.ª Vara da Fazenda Pública na administração estadual, é importante – antes mesmo que instância superior se manifeste a respeito – levar em conta a afirmação do governador Geraldo Alckmin sobre o uso pela PM das armas que o magistrado quer restringir drasticamente: “São protocolos internacionais que a polícia segue, usados no mundo inteiro e aqui também, de acordo com a circunstância”.

Deve-se chamar a atenção também para a opinião de especialistas, como José Vicente da Silva, ex-secretário Nacional de Segurança Pública, para quem a PM paulista é muito bem preparada e “as ocorrências de excesso são raras frente ao número de manifestações que a corporação acompanha”, mais de 2 mil por ano.

Excessos desse e de outros tipos são inevitáveis em qualquer polícia do mundo. O que é preciso é estar sempre atento e puni-los com rigor. Mas não podem ser pretexto ou justificativa para amarrar as mãos da polícia num tipo de intervenção branca.

O Tribunal de Justiça já cassou, em 2014, liminar do mesmo magistrado, no mesmo processo, que proibia a PM de usar balas de borracha. Não seria de admirar, portanto, que reformasse mais essa decisão.