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Opinião|Serviços públicos à deriva

Foto do author Carlos Alberto Di Franco
Atualização:

Dengue bate recorde em São Paulo: 400 mil casos. Equipe da TV Tribuna é assaltada ao vivo, no Guarujá. Obras paralisadas, ou em ritmo de Quarto Mundo, infernizam o cotidiano de quem vive na maior cidade do País. São informações selecionadas num rol infindável de más notícias patrocinadas pelos governos. Os serviços públicos estão à deriva. Não são suposições. São constatações. Autoridades de saúde não conhecem, ou fingem desconhecer, as causas do avanço da dengue. Não tratam o assunto como problema de saúde pública. Terceirizam responsabilidades. A culpa é nossa. O foco está no descuido dos moradores. Fantástico! E os terrenos públicos abandonados? E o lixo acumulado nas ruas das cidades? E o fumacê, alguém viu? O eficiente procedimento de combate ao mosquito da dengue desapareceu. Razões? Falta dinheiro? Falta planejamento? Sei lá. Trata-se, agora, de esperar: com a chegada do frio, menos chuvas e temperaturas mais baixas, as condições de proliferação do mosquito devem minguar. O inverno, e não as ações do governo, pode minimizar a epidemia. E a segurança pública? Basta uma notícia, amigo leitor. A da equipe de reportagem da TV Tribuna, afiliada da Rede Globo na Baixada Santista, que foi assaltada enquanto fazia uma entrevista ao vivo sobre dengue, na frente da prefeitura do Guarujá, no litoral paulista. A repórter entrevistava o diretor de Vigilância em Saúde da cidade quando a equipe e o entrevistado foram abordados por um ladrão armado. Toda a cena foi transmitida ao vivo no jornal local do meio-dia. Enquanto sociólogos e comunicadores esgrimam argumentos a favor e contra a diminuição da maioridade penal, a bandidagem faz a festa. O Brasil, um país continental, sem conflitos externos, com um povo bom e trabalhador, está na banguela. A competitividade global reclama crescentemente gente bem formada. Quando comparamos a revolução educacional sul-coreana com a desqualificação da nossa educação, dá vontade de chorar. A assustadora falta de mão de obra com formação mínima é um gritante atestado do descalabro da “Pátria Educadora”. Governos sempre exibem números chamativos. E daí? Educação não é prédio. Muito menos galpão. É muito, muito mais. É projeto pedagógico. É exigência. É liberdade. É humanismo. É aposta na formação do cidadão com sensibilidade e senso crítico. O custo humano e social da incompetência e da corrupção brasileiras é assustador. O dinheiro que desaparece no ralo da delinquência é uma tremenda injustiça, uma bofetada na cidadania, um câncer que, aos poucos e insidiosamente, vai minando a República. As instituições perdem credibilidade numa velocidade assustadora. Os protestos que tomam conta das cidades precisam ser interpretados à luz da corrupção epidêmica, da impunidade cínica e da incompetência absoluta da gestão pública. Há uma clara percepção de que o Estado está na contramão da sociedade. O cidadão paga impostos extorsivos e o retorno dos governos é quase zero. Tudo o que depende do Estado funciona mal. Educação, saúde, segurança, transporte são incompatíveis com o tamanho e a importância do Brasil. Os gastos públicos aumentam assustadoramente. O número de ministérios é uma piada. Padrão antiga União Soviética. A corrupção rola solta. A percepção de impunidade é muito forte. A recente soltura de nove investigados da Lava Jato, independentemente das razões técnicas que fundamentaram alguns votos, transmitiu ao cidadão médio a convicção de que a lei não vale para todos. Estão conseguindo balançar a confiança no Judiciário e demonizar a política e, consequentemente, empurrando a democracia para uma zona de risco. Os governantes precisam acordar. As vozes das ruas, nas suas manifestações legítimas, esperam uma resposta efetiva, e não um discurso marqueteiro. A crise que está aí é brava. A gordura dos anos de bonança acabou. A realidade está gritando no bolso e na frustração das pessoas. E não há marketing que supere a força inescapável dos fatos. O governo pode perder o controle da situação. Nós, jornalistas, tempos um papel importante a desempenhar. Devemos dar a notícia com toda a clareza. Precisamos fugir do jornalismo declaratório. Nossa missão é confrontar a declaração do governante com a realidade dos fatos. Não se pode permitir que as assessorias de comunicação dos políticos definam o que deve ou não ser coberto. O jornalismo de registro, pobre e simplificador, repercute o Brasil oficial, mas oculta a verdadeira dimensão do País real. Precisamos fugir do espetáculo e fazer a opção pela informação. Só assim, com equilíbrio e didatismo, conseguiremos separar a notícia do lixo declaratório. Campanhas milionárias, promessas surrealistas e imagens produzidas fazem parte do marketing de alguns políticos e governantes. Assiste-se, diariamente, a um show de efeitos especiais capazes de seduzir o grande público, mas, no fundo, vazio de conteúdo e carente de seriedade. O marketing, ferramenta importante para a transmissão da verdade, pode ser transformado em instrumento de mistificação. Estamos assistindo à morte da política e ao advento da era da inconsistência. Os programas eleitorais vendem uma bela embalagem, mas, de fato, são paupérrimos na discussão das ideias. Nós jornalistas somos (ou deveríamos ser) o contraponto a essa tendência. Cabe-nos a missão de rasgar a embalagem e desnudar os políticos. Transparência nos negócios públicos, ética, boa gestão e competência são as principais demandas da sociedade. Memória e voto consciente compõem a melhor receita para satisfazê-las. Devemos bater forte na pornopolítica. Ela está na raiz da espiral de violência que sequestra a esperança dos jovens e ameaça nossa democracia.

*JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@IICS.ORG.BR

Opinião por Carlos Alberto Di Franco

Jornalista