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Só multar não resolve

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Por Redação
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O aumento da arrecadação com multas de trânsito na cidade de São Paulo, entre 2008 e 2012, será de nada menos que 115%, se for confirmada a previsão para o ano que vem. Como nisso a Prefeitura não costuma falhar, pode-se dar como certo o salto de R$ 386,1 milhões para R$ 832,4 milhões. Nos últimos três anos, o aparelho fiscalizador continuou sendo ampliado e aprimorado. Nas ruas e avenidas da capital foram instalados 354 novos radares eletrônicos e 112 câmeras. O quadro de fiscais da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET) ganhou 250 novos agentes e o Comando de Policiamento de Trânsito (CPTran) foi reativado. Mais 800 policiais foram colocados nas ruas.No entanto, a severa vigilância não tem resultado na redução do número de acidentes e de mortes, como seria de esperar. Nos últimos dois anos, a frota de veículos cresceu 7,9%, chegando a 7,1 milhões em julho, enquanto o número de mortes no trânsito cresceu 8,9%. No ano passado, uma pessoa se feriu a cada 20 minutos e uma morreu a cada 13 horas no trânsito de São Paulo.Tudo isso mostra que a punição descolada da educação e da melhoria da engenharia de tráfego não produz bons resultados. Alegam os responsáveis pelo trânsito que há uma relação entre o aumento da frota e o do número de acidentes. Desde 2008, a frota de São Paulo ganhou 1,2 milhão de novos veículos, entre carros, motos, ônibus e caminhões. Mas a situação seria certamente diferente se os novos motoristas tivessem melhor formação. O aumento da arrecadação é também, em parte, atribuído à lei que o prefeito Gilberto Kassab sancionou há quatro anos, instituindo o parcelamento de multas de trânsito em até 12 parcelas mensais para veículos registrados na capital. Na época, 800 mil veículos apresentavam multas pendentes num total de R$ 512 milhões. Apesar dessas facilidades, a Prefeitura colocou, desde abril, mais de 690 mil devedores de multas na lista do Cadastro Informativo Municipal (Cadin).O controle do trânsito em São Paulo se baseia principalmente na punição do motorista infrator. A Prefeitura nada faz para estimular entidades não governamentais, empresariais, educacionais, técnicos e acadêmicos a adotarem iniciativas destinadas a promover o respeito às regras de trânsito, aos pedestres e ao meio ambiente. Reportagem publicada pelo Estado dias atrás mostrou que alguns estudiosos da questão defendem o rigor da fiscalização como um bom instrumento para reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito. Luiz Célio Bottura, ombudsman da Campanha de Proteção ao Pedestre da CET, afirma que o número de multas deveria ser até maior. Tendo em vista a péssima formação dos motoristas, o volume de infrações flagradas poderia de fato ser bem superior ao registrado. Por isso mesmo, as autoridades deveriam cuidar mais da capacitação para dirigir com segurança. Poderiam começar a fazer isso combatendo as fraudes e negligências em muitos centros de formação de motoristas, que ainda corrompem o sistema digital e vendem facilidades para motoristas incapazes de serem aprovados nos testes para obtenção de carteira de habilitação.Como bem lembra o engenheiro Flamínio Fichmann, em entrevista ao Estado, a CET erra ao se preocupar mais em punir os que descumprem o rodízio municipal, por exemplo, do que os que dirigem sob efeito de álcool ou drogas, desrespeitam semáforos e limites de velocidade. Autoridades de trânsito também obteriam melhores resultados se investissem em iniciativas capazes de reduzir o permanente conflito entre motociclistas e motoristas. Das 1.357 mortes em acidentes de trânsito no ano passado, 478 foram de motociclistas. Igualmente importante seria melhorar a sinalização e a pavimentação das vias, que deixam muito a desejar e respondem por grande número de acidentes. Finalmente, é preciso mudar o comportamento dos agentes da CET, sempre mais preocupados com o bloco de multas do que com a orientação do trânsito.