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Só vale o que dá voto

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Por Redação
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A enorme dificuldade que o governo tem enfrentado para obter o apoio, inclusive de seu próprio partido, para a aprovação de medidas impopulares, mas necessárias ao indispensável ajuste fiscal, revela claramente a predominância do fisiologismo no comportamento da chamada classe política: o que interessa, acima de tudo, é o que garante voto. Diante disso, o governo decidiu pressionar sua base no Congresso com uma ameaça da qual foi porta-voz o vice-presidente Michel Temer, a quem Dilma Rousseff delegou a coordenação das articulações políticas: se o pacote de medidas provisórias que começa agora a ser debatido pelo plenário da Câmara for rejeitado ou modificado a ponto de ter sua eficácia comprometida, o governo se verá obrigado a fazer cortes substanciais que afetarão as áreas sob o comando dos partidos da base aliada.

As Medidas Provisórias 665 e 664 restringem o acesso a alguns benefícios sociais com o objetivo de, junto com outras providências, reduzir despesas orçamentárias e possibilitar o saneamento das contas públicas, condição essencial para a retomada dos investimentos indispensáveis à recuperação da economia. Mas, para o populismo petista e de outras legendas que rezam pela mesma cartilha, mexer nos interesses dos assalariados é impensável.

Se parassem para pensar e colocassem os interesses nacionais acima de seus preconceitos ideológicos ou preocupações eleitorais, talvez os políticos se dessem conta de que a única condição capaz de, numa sociedade democrática, garantir efetivamente os direitos dos trabalhadores é uma economia forte e em constante expansão que permita, por meio do amplo acesso a bons empregos e salários, a inclusão de todos os cidadãos no processo de criação de uma riqueza da qual passarão a compartilhar.

Este é o ponto central da questão: a criação da riqueza é tarefa para o conjunto da sociedade e não prerrogativa do Estado, como advogam os esquerdistas que pararam no tempo ou os oportunistas que só pensam em voto. Ao Estado cabe, por definição, na defesa dos interesses dos cidadãos, exercer um rigoroso controle democrático sobre o mercado, de modo a impedir abusos do poder econômico e garantir acesso aos benefícios da educação, saúde, transporte, segurança, lazer. E isso se obtém com o resultado do trabalho de toda a sociedade. Pois o Estado não cria riqueza, simplesmente administra os impostos que arrecada.

Não é assim, porém, que pensa o PT. O populismo de Lula se funda na convicção paternalista, que tenta incutir na mente das pessoas, de que todos dependem do governo, o grande provedor. E é sobre esse fundamento que se apoia o projeto de poder do PT.

Recentemente, um dos mais destacados apoiadores do PT, hoje um de seus críticos mais agudos, Frei Betto, escreveu que depois da chegada do partido ao poder passou a ser comum encontrar moradias humildes, inclusive em favelas, providas de geladeiras, televisores, computadores, aparelhos de som e muitos outros bens de consumo – às vezes até um automóvel à porta. Mas a partir do momento em que tomaram posse desses bens de consumo, escreveu Frei Betto, essas pessoas se deram conta de que não tinham acesso a bens certamente mais essenciais: bens sociais como atendimento de saúde eficiente, escolas de bom nível, transporte público decente. Esse é o retrato dos governos petistas.

Preocupado em se perpetuar no poder, já no início de seu primeiro mandato Lula trocou o Fome Zero, um programa complexo e de maturação lenta voltado para a inserção social da população marginalizada da vida econômica, pelo Bolsa Família, basicamente a distribuição mensal de benefício financeiro aos necessitados. Perdeu em ganhos sociais, mas ganhou em votos, cerca de 40 milhões segundo cálculos dos próprios petistas na época.

Com essa mentalidade predominando em Brasília, é inevitável que Dilma encontre enormes dificuldades pela frente quando, implicitamente reconhecendo os próprios erros, propõe austeridade fiscal para botar ordem nas contas públicas. Isso não dá voto.