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Surpresas no câmbio

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Por Redação
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Uma nova mudança de humor no mercado de câmbio fez o dólar oscilar na quarta-feira, depois de um breve movimento de alta no dia anterior. Dois assuntos haviam dominado as especulações na terça-feira: o aparente aperto de vários bancos - com posições vendidas de cerca de US$ 13 bilhões no mercado à vista e de US$ 8,5 bilhões no mercado futuro - e a possível intervenção do Banco Central (BC) para conter a valorização do real. A expectativa de intervenção havia sido reforçada por uma entrevista do ministro da Fazenda, Guido Mantega. Comentando a situação das contas externas, ele havia defendido o retorno do BC ao mercado futuro para corrigir distorções.O BC havia sondado operadores do mercado sobre a hipótese de uma nova oferta de "swap reverso", operação equivalente a uma compra de dólares no mercado futuro. A consulta foi feita a partir da observação de um fato aparentemente estranho: o real tem-se valorizado continuamente, apesar da piora das contas externas e das projeções de maior desequilíbrio nas transações com o exterior. O superávit comercial tem diminuído e o déficit em conta corrente, em rápido crescimento, chegou a US$ 40,9 bilhões nos 12 meses terminados em junho. O resultado negativo do primeiro semestre, US$ 23,7 bilhões, quase igualou o de todo o ano passado, US$ 24,3 bilhões. Até o fim do ano, segundo as estimativas correntes, o déficit deverá ficar próximo de US$ 48 bilhões. Dois detalhes merecem atenção especial: 1) as multinacionais têm aumentando a remessa de lucros e dividendos para as matrizes; e 2) o investimento direto será insuficiente para cobrir o buraco das transações correntes. Mesmo diante desses números e das previsões nada alentadoras, muitas instituições financeiras continuaram apostando na valorização do real e assumiram posições vendidas em dólares. Na terça-feira, falava-se claramente no mercado sobre o risco de sérios problemas à frente. Os bancos vendidos, segundo a avaliação de analistas e de operadores do mercado, haviam entrado numa armadilha cambial. Haviam feito uma aposta errada, como haviam feito várias empresas grandes em 2008, antes do agravamento da crise global. Aparentemente, os bancos assumiram posições vendidas com base na expectativa de ingresso de grandes volumes de dólares. Levou-se em conta nessa previsão, entre outros fatores, a necessidade de recursos enormes da Petrobrás. A empresa precisará investir muitas centenas de bilhões de dólares para converter o pré-sal em zona produtora de petróleo e gás e boa parte desse dinheiro virá provavelmente do exterior, sob a forma de capital de risco e também como financiamento. Mas a capitalização poderá não sair tão cedo. Há quem aponte também outra explicação para a aposta dos bancos: ao comprar dólares nos últimos meses, o BC teria estimulado as posições vendidas, para manter o real valorizado e facilitar o combate à inflação. De fato, as compras líquidas do BC totalizaram US$ 14,7 bilhões.Seja qual for a explicação, os bancos menosprezaram a piora da conta corrente do balanço de pagamentos e parecem ter dado pouca atenção ao próprio fluxo cambial. Até 23 de julho, o fluxo líquido acumulado no ano era positivo em apenas US$ 1,06 bilhão. Só no mês de julho, até aquele dia, o relatório do BC apontou um resultado negativo de US$ 1,55 bilhão. O cenário só mudou ligeiramente nos últimos dias e a perspectiva de maiores ingressos foi reforçada na quarta-feira com notícias de duas grandes entradas nesta semana, uma de US$ 700 milhões, outra de US$ 350 milhões.Essas notícias bastaram, segundo informantes do mercado, para mudar o humor e diminuir as preocupações com os bancos envolvidos em grandes vendas de dólares a descoberto. Novas entradas poderão facilitar a compra a cotações baixas, permitindo uma redução do risco assumido pelas instituições, se essa correção for julgada necessária. Será preciso observar o movimento cambial durante mais tempo para uma avaliação mais segura das perspectivas e da necessidade eventual de intervenção do BC. É muito cedo para dizer se o ingresso de dólares iniciado nos últimos dias será o começo de uma nova tendência.