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Tarde demais

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Por Redação
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Dilma Rousseff parece que não está realmente entendendo nada: 7 em cada 10 brasileiros (71%) reprovam sua atuação como presidente da República; 2 em cada 3 (66%) apoiam a abertura de um processo de impeachment; no próximo domingo prevê-se que uma multidão de proporções inéditas sairá às ruas em todo o País para ilustrar com o peso de sua indignação o que contam as pesquisas de opinião. E Dilma faz uma reunião dominical de emergência no Alvorada com o vice-presidente Michel Temer, 13 ministros e líderes do PT para tratar da crise política e discutir medidas para minimizar o impacto das manifestações. Ao final, uma importante decisão foi anunciada: Dilma vai dialogar, dialogar muito, para superar a crise. Para resolver o problema da desintegração da base de apoio parlamentar, agendará encontros em palácio com os presidentes e principais lideranças dos partidos “aliados”. Para mostrar que não está sitiada pelos manifestantes antigoverno, chamará para conversar dirigentes de entidades e organizações sociais identificadas com “causas populares”. Tarde piaste, como se dizia antigamente.

É louvável que Dilma esteja disposta a dialogar para tirar o País da crise. Pena que tenha esperado sete meses para se dispor a tanto. Politicamente, começou muito mal o segundo mandato. Em vez de dialogar, dialogar muito na hora certa, mergulhou numa tentativa desastrada de garantir a hegemonia política do PT alijando seu principal aliado, o PMDB, do comando da Câmara. Está pagando um preço altíssimo pelo erro crasso. Mas, mesmo tendo feito do incontrolável Eduardo Cunha um inimigo, Dilma ainda podia contar com uma enorme base de apoio parlamentar. Era uma simples questão de dialogar para acomodar todo mundo no gigantesco aparelho estatal. Passados sete meses, está na cara que, apesar de, em desespero de causa, ter colocado o experiente Michel Temer no comando das articulações do toma lá dá cá, alguma coisa acabou não dando certo. Há quem suspeite de que tem a ver com isso a conhecida soberba petista, que sempre dificultou relações de respeito e cooperação mútua com aliados.

O fato é que, mesmo que esteja agora realmente disposta a dialogar, já que procura a qualquer custo uma tábua de salvação, Dilma dificilmente logrará um entendimento satisfatório para recompor a base aliada. E a razão é simples e óbvia: o preço a ser pago por apoio político aumentou na proporção do enfraquecimento da presidente e ela, na atual conjuntura, não tem muito a oferecer. Afinal, o momento impõe um mínimo de austeridade com os recursos públicos e os ventos gelados da crise sopram na direção do enxugamento do aparelho estatal. Além disso, o precedente do descompromisso com os acordos de aliança já está escancarado: as bancadas de partidos que comandam Ministérios têm votado repetidamente contra o governo, numa demonstração clara de que a influência política do Planalto no Congresso é inexistente. Nas mãos de Dilma, o tal “presidencialismo de coalizão” foi pelos ares.

Também no que diz respeito à questão essencial do relacionamento entre governo e sociedade, o diálogo não vai resolver nada, por outra razão simples e óbvia: Dilma Rousseff perdeu a credibilidade entre os brasileiros, entre os quais, nunca é demais repetir, 7 em cada 10 desaprovam seu governo e 2 em cada 3 são a favor da abertura do processo de impeachment. A credibilidade de Dilma é um cristal estilhaçado pela crise econômica que atinge a todos e cada um dos brasileiros e pela revelação do estelionato eleitoral de outubro. O pano de fundo de tudo isso é a Operação Lava Jato, cujas revelações provocam a revolta dos brasileiros não apenas pela grave questão ética que implica, mas também pela dolorosa constatação de que enquanto a população sofre com inflação e desemprego os donos do poder e seus cúmplices se locupletam pilhando o patrimônio nacional.

É patética a tentativa de engabelar a sociedade chamando para dialogar entidades que nos últimos 12 anos foram cooptadas pelo lulopetismo e contaminadas pela sua perda de credibilidade. A crise escapou do controle de um governo democraticamente eleito, mas que, por seus próprios erros, agoniza no pântano da impopularidade.