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Teatro diplomático

As decisões tomadas na semana passada pelos governos de Moscou e de Washington projetam uma luz amarela sobre o imbróglio diplomático após o envenenamento de Sergei Skripal e sua filha

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Por Redação
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Quando Mikhail Gorbachev implementou uma série de medidas que visavam à abertura política e econômica da antiga União Soviética, na segunda metade da década de 1980 – glasnost e perestroika –, acreditava-se que as tensões entre o país e o Ocidente, agravadas após o fim da 2.ª Guerra, poderiam ser superadas pela construção de um conjunto de relações que privilegiasse a integração de mercados e o respeito às particularidades políticas das nações, levando a chamada comunidade internacional a um almejado estágio de coexistência pacífica.

De fato, quase três décadas após o colapso do antigo bloco soviético, as animosidades entre a Rússia, os Estados Unidos e a Europa ocidental nem de longe lembram o grau de tensão que marcou a guerra fria, que no auge fez o mundo temer um conflito nuclear de proporções inimagináveis. Todavia, como mostra o recente teatro de movimentos diplomáticos feitos, entre outros, pelos governos de Theresa May, do Reino Unido, Donald Trump, dos Estados Unidos, e Vladimir Putin, da Rússia, vê-se que aquele intento original está mais para o campo das boas intenções do que para o pragmatismo da realpolitik. A tentativa de interferência no destino de um país por outro, por meio das chamadas “ações de inteligência”, continua viva como nunca.

Na sexta-feira passada, o governo de Moscou anunciou a expulsão de mais uma leva de 59 diplomatas de 23 países. Trata-se de uma resposta de Putin a medidas de igual teor tomadas inicialmente pelo Reino Unido, à qual se seguiram expulsões de diplomatas russos dos Estados Unidos, da Austrália e de mais 20 países na Europa. Na véspera, a Rússia já havia anunciado a expulsão de 60 diplomatas americanos.

A desencadear a adoção dessas medidas consideradas drásticas no código de condutas da diplomacia está a crença do governo de Theresa May em um suposto envolvimento direto do governo russo no atentado, em solo britânico, contra a vida de Sergei Skripal, um ex-espião que atuava como agente duplo, e Yulia, sua filha. Ambos foram envenenados com Novichok – substância que afeta o sistema nervoso central e pode levar à morte – no início do mês passado, em Salisbury, Inglaterra.

A expulsão de diplomatas, embora bastante significativa, equivale a um jogo de retaliações recíprocas – quid pro quo – que não tem o condão de produzir efeitos mais graves, do ponto vista prático, para os cidadãos dos países envolvidos. Um tanto mais sérias foram as ordens de Donald Trump e de Vladimir Putin para o fechamento do consulado russo em Seattle e americano em São Petersburgo, respectivamente.

O fechamento de consulados é um degrau acima nessa escalada de recrudescimento das relações diplomáticas entre a Rússia e o Ocidente iniciada em março, a mais grave desde a anexação da Crimeia, em 2014. Além de sua dimensão política, fechar uma unidade de representação diplomática traz implicações práticas para a vida dos cidadãos e empresas que precisam dispor dos serviços consulares lá prestados. As decisões tomadas na semana passada pelos governos de Moscou e de Washington projetam uma luz amarela sobre o imbróglio diplomático após o envenenamento de Sergei Skripal e sua filha.

Vale lembrar que as relações entre EUA e Rússia, já abaladas após a suspeita de influência dos russos no resultado da última eleição presidencial americana, estremeceram um tanto a mais em agosto de 2017, quando o Departamento de Estado dos Estados Unidos determinou o fechamento do consulado russo em São Francisco, na Califórnia, além de outras duas representações diplomáticas russas em Nova York e Washington. A decisão foi tomada em resposta a uma determinação do governo de Vladimir Putin para que fosse reduzida a representação diplomática dos EUA em seu país. À época, Sergei Lavrov, ministro de Relações Exteriores russo, prometeu “dura resposta” ao governo americano.

Por ora, é Vladimir Putin quem ganha com o mistifório. Ele nunca esteve tão forte no cargo.