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Teerã se exibe

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Por Redação
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O governo do Irã acaba de promover um espetáculo destinado a mostrar que as sanções de que tem sido alvo não enfraquecem nem a sua decisão nem a sua capacidade de levar adiante o que apregoa ser um programa nuclear para fins pacíficos. Na quarta-feira, o presidente Mahmoud Ahmadinejad, devidamente paramentado com um jaleco branco, foi o convidado de honra da cerimônia em que varetas produzidas no país, contendo urânio enriquecido a 20%, foram pela primeira vez inseridas no reator de pesquisas de Teerã para a produção de isótopos radioativos com fins medicinais e agrícolas. Sintomaticamente, Ahmadinejad se fez acompanhar do ministro do Exterior, Ali Akbar Salehi - e o evento foi transmitido também pelo canal iraniano em língua inglesa.Não ficou nisso. Teerã anunciou ainda a entrada em operação, no centro de enriquecimento de Natanz, de 3 mil centrífugas de "quarta geração", elevando o total a 9 mil, e a construção de mais quatro reatores. As centrífugas de alto desempenho permitiriam ao país aumentar substancialmente os seus estoques de combustível nuclear - o centro do seu até aqui insuperável contencioso com o Ocidente. Em novembro passado, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) concluiu que, ao lado dos projetos civis no setor, sujeitos à fiscalização do organismo, o Irã tem desenvolvido atividades que só se explicam pela busca de capacitação para produzir e lançar artefatos nucleares. O relatório deu origem à sexta rodada de sanções internacionais, que incluem um embargo às compras europeias de petróleo iraniano, a vigorar a partir de julho. Anteontem, Ahmadinejad se vangloriou. "A era do bullying de nações passou", disse, usando o termo inglês. "Tentaram nos impedir com sanções e resoluções, mas falharam. Nosso caminho nuclear continuará." No mesmo dia, a TV iraniana revelou que o governo respondeu favoravelmente à exortação da titular de relações exteriores da União Europeia, Catherine Ashton, pela retomada das negociações sobre a questão nuclear com o chamado grupo P5+1 (EUA, Grã-Bretanha, França, Rússia e China, membros do Conselho de Segurança da ONU, mais a Alemanha), interrompidas desde 2009.Num sinal de que a política externa de Teerã ou veio para confundir, ou segue a estratégia do morde-e-assopra - uma coisa e outra para ganhar tempo -, ou ainda reflete as conhecidas divergências entre Ahmadinejad e o líder supremo do regime, o aiatolá linha-dura Ali Khamenei, também anteontem a emissora oficial anunciou a próxima suspensão das exportações de petróleo a seis países europeus (em retaliação à França, Holanda, Bélgica, Itália, Espanha e Portugal), apenas para ser desmentida pouco depois pelo Ministério do setor. No mercado internacional de especulações políticas, a tendência é desdenhar dos alegados progressos tecnológicos iranianos. Embora os observadores mais sóbrios reconheçam a dificuldade de adivinhar as intenções de Teerã, a teoria da bravata tem numerosos adeptos."O Irã fala grosso, mas segura um porrete pequeno", diz Karim Sadjadpour, do centro de estudos internacionais Carnegie, nos EUA, invertendo a célebre recomendação de Theodor Roosevelt (1858-1919) para o relacionamento do país com o mundo: "Fale mansamente e tenha à mão um grande porrete". A versão do small stick, por sinal, vai de encontro à linha oficial em Israel, segundo a qual o Irã, seu "inimigo existencial", está tão próximo de ter a bomba que tardar a atacá-lo pode ser tarde demais. Os analistas se dividem entre os que acham que o país quer chegar ao limiar atômico, mas não necessariamente ultrapassá-lo, e entre os que acham que, dados os imperativos da geopolítica, uma vez em condições de fazê-lo, o Irã o fará, entrando pela porta dos fundos para o clube atômico, a exemplo de Israel, que não confirma nem nega ter um arsenal nuclear.Uma coisa parece certa: seja quais forem as razões que levaram Teerã ao caminho adotado, entre elas não figura a intenção de atirar a primeira bomba. Os aiatolás sabem perfeitamente que, se fizerem isso, o país será obliterado.