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Opinião|Tendências do Estado moderno

Atualização:

“O Estado é esta grande ficção através da qual todos tentam viver às custas de todos os demais” (Fréderic Bastiat, 1801–1850)

Vivemos momento histórico em que se evidenciam sérios problemas na condução macroeconômica e política de importantes países, inclusive do nosso. Muitos destes problemas foram consequências de políticas governamentais equivocadas e do inchaço do Estado, este ente cada vez mais voraz na cobrança de impostos e no endividamento junto ao público.

As agruras com que se defronta a Grécia, assim como a nossa conjuntura de crise, não são fenômenos isolados. Refletem, sim, uma tendência que se estabeleceu mundialmente no sentido de transferir responsabilidades da esfera individual ou familiar para o Estado. E, neste processo, não parece haver plena correspondência entre as aspirações por direitos e a imposição de obrigações, como se possível fosse, numa economia de escassez, a fruição de um almoço grátis.

A verdade é que, após os eventos magnos que marcaram a primeira metade do século 20, alterou-se significativamente a conformação do Estado nacional, tanto em tamanho como em atribuições que lhe foram delegadas. As guerras mundiais suscitaram a presença maior do Estado para organizar o próprio esforço de guerra, bem como para gerenciar o posterior período de reconstrução. E a depressão dos anos 30 induziu a criação de redes de proteção social (entidades previdenciárias, seguro-desemprego, etc.), assim como políticas governamentais anticíclicas.

Aqui, no Brasil, Getúlio Vargas, autoritário e centralizador, aproveitou-se do clima reinante no mundo para iniciar o nosso processo de estatização. Ao suicidar-se, em 1954, deixou-nos, como legados, entre outros, uma legislação trabalhista inspirada na Carta del Lavoro de Mussolini, o BNDES, o Banco do Nordeste, a Petrobrás, a Vale do Rio Doce, a Cia. Siderúrgica Nacional (CSN) e a Fábrica Nacional de Motores (FNM). Mas a carga tributária, em seus tempos, apenas rondava os 15% do PIB, bem diferente dos quase 40% atuais.

Outra tendência delineada, em nível mundial, foi a de relativização do conceito de soberania nacional a partir da criação de diversas organizações internacionais para a cooperação entre Estados-membros ou para a formação de verdadeiros Estados supranacionais. Liga das Nações, ONU, Otan, OEA, União Europeia, Mercosul, Banco Mundial, FMI, Banco Central Europeu, Corte Internacional de Justiça, etc., etc. são exemplos dessas organizações internacionais que disputam poder com os Estados nacionais.

Além disso, o convencimento de que por meio do Estado poderiam ser eliminados ou atenuados muitos dos problemas humanos propiciou o surgimento de uma infinidade de programas estatais nas mais variadas áreas. Era o Welfare State se instalando e cobrando uma elevada carga tributária da população.

Poucos se dão conta de que a intervenção estatal pode estar criando mais problemas que os que pretende resolver e que programas devem ser julgados por seus resultados, e não por suas intenções. Poucos também têm a consciência de que o Estado – na verdade seus governantes – não deve ter vontade própria nem deve se situar acima da Nação. E que é apenas um meio de instrumentar a vontade dos cidadãos quando essa vontade não pode ser adequadamente atendida pelo sistema de mercado.

Parece assentado que a democracia, que tomou conta do nosso mundo ocidental, é o melhor (ou o menos pior) dos regimes políticos. Mas é fato que ela não consegue impedir um perigoso viés expansionista estatal. De um lado, há a crença popular de que governantes são pessoas especiais, mais capazes e bem intencionadas que o cidadão comum para resolver problemas. De outro, há a captura do Estado por grupos de interesse que se organizam em prol do benefício próprio. Para os programas estatais há defensores ardorosos, enquanto para quem paga a conta de forma difusa só resta a sensação de que recebe em benefícios muito menos que o que paga em impostos.

No caso brasileiro, especificamente, há que acrescentar, ao quadro geral, os vícios do patrimonialismo, herança de nossos colonizadores, e da distribuição de benesses por governantes com o fito de dilatação da base de apoio político e de cooptação de parcela do empresariado, sempre objetivando a perpetuação no poder ou mesmo o enriquecimento.

Mas cabe ressaltar que a sociedade que cobra direitos e demanda benefícios crescentes da classe política é a mesma que, a partir de um certo ponto, se recusa a pagar mais impostos. A conta da democracia, principalmente em países de baixa educação política, simplesmente não fecha!

Contra esta tendência de inchaço e desequilíbrio nas contas do Estado, só a punição dos mercados parece funcionar. Quando as urnas abusam, as crises econômicas surgem e colocam freios no Estado. Mas é duro depender tanto assim de grandes crises, pois não?

John Kennedy, em momento de rara felicidade, ensinou que “a fórmula do sucesso não existe, mas a do fracasso é tentar agradar a todos”. Ronald Reagan foi um passo além e declarou que “o Estado não é a solução, é o problema”. Já Margareth Thatcher nos lembrava que “o problema com o socialismo é que um dia o dinheiro dos outros acaba”.

O Estado basicamente distribui recursos de um lado para outro, guardando para si uma gorda fatia. Com sua expansão desmesurada, cada vez temos mais gente dedicada à administração e à geração de privilégios e menos gente voltada à produção. Neste momento histórico em que governantes teimam em desrespeitar as leis maiores da escassez, melhor darmos especial atenção às advertências dos ex-chefes de Estado, colocando rédeas, com urgência, no monstro Leviatã. E o melhor caminho, nesse sentido, parece ser o estabelecimento de limites legais ao conjunto das despesas públicas como proporção do PIB.

*Rubem de Freitas Novaes é economista (UFRJ), doutor pela Universidade de Chicago, foi professor da EPGE/FGV, presidente do Sebrae e diretor do BNDES. e-mail: rfnovaes@uol.com.br

Opinião por Rubem de Freitas Novaes