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Terras agrícolas na alça de mira

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Por André Meloni Nassar
3 min de leitura

Com a subida dos preços das commodities agrícolas em 2008 e 2009, voltou à ordem do dia o tema da segurança alimentar, ou seja, da exposição de países consumidores e importadores à elevação dos preços dos alimentos e do receio da sujeição aos interesses dos países produtores que passaram a adotar políticas de restrição às exportações. A reação de diversos governos de países que se julgavam expostos a esta nova fonte de "insegurança" alimentar foi anunciar o interesse em investir em compra de terras. Nasceu, assim, a expressão "arresto de terras agrícolas" (farmland grab), como reação aos efeitos negativos que essa maior procura por terra traria aos países com terra disponível.O tema não ganhou grande visibilidade aqui, no Brasil, porque não vivemos problemas de segurança alimentar e os investimentos estrangeiros em curso no País não são voltados para esse modelo de mitigar a insegurança alimentar de países compradores. No entanto, embora o arresto de terras nunca tivesse ocorrido no País, o medo da perda de soberania fez o Estado brasileiro decidir por voltar a discriminar entre controle local ou estrangeiro de empresas brasileiras na compra de terras. A pergunta que se coloca aqui é: o que seria melhor para a sociedade brasileira, restringir - ou até mesmo impedir - a compra de terras agrícolas por estrangeiros ou criar instituições e impor exigências que levem os estrangeiros a transferir parte dos seus ganhos para as comunidades locais e o Estado brasileiro?Interpretando os dados do estudo do Banco Mundial Rising Global Interest in Farmland: Can it Yield Sustainable and Equitable Benefits? (Interesse Global Crescente em Terra Agrícolas: Pode ele Trazer Benefícios Equitativos e Sustentáveis? - em tradução livre), chego à conclusão de que a segunda alternativa é a melhor para a sociedade brasileira.O primeiro elemento que dá suporte a essa conclusão é a análise sobre disponibilidade de terra para agricultura. Utilizando uma metodologia bastante defensável, baseada em sensoriamento remoto, critérios de aptidão (presença de chuva, permitindo uma agricultura sem irrigação) e combinação com dados secundários, o estudo estima a área disponível por país para expansão da produção, separando-a em áreas ocupadas com florestas e não ocupadas com florestas. Como era de esperar, o estudo recomenda a expansão em áreas aptas e disponíveis não ocupadas com florestas.Dentre os 40 países analisados, Sudão (46 milhões de hectares) e Brasil (45 milhões de hectares) dividem o primeiro lugar em disponibilidade de terras aptas para agricultura, não cultivadas e não ocupadas com florestas. Em grandes regiões, a África subsaariana está em primeiro lugar, seguida da América Latina e do Caribe e, em terceiro lugar (mas com 60% menos) vem a Europa do Leste.O estudo faz ainda uma análise por atividade agrícola com ênfase em milho, soja, trigo, cana-de-açúcar e dendê. Detalhando a análise por país e atividade agrícola, observa-se que o Brasil é o país com mais área disponível no mundo para soja e cana-de-açúcar e o segundo no milho. No total destas atividades, o Brasil encabeça a lista dos países com 41 milhões de hectares. Países como Rússia e Ucrânia, juntos, têm montantes semelhantes aos do Brasil, mas com aptidão concentrada em trigo e, portanto, com menor flexibilidade do que o caso brasileiro.O segundo elemento é a tipologia proposta pelo estudo, que classifica os países cruzando duas informações: montantes de terra disponível e lacuna de produtividade (produtividade atual dividida pela produtividade potencial). Países com mais elevados montantes de terra e menor lacuna de produtividade - dado que maior lacuna indica menor nível tecnológico e, consequentemente, demanda mais investimentos - seriam aqueles com maior capacidade de atrair investimentos e mais preparados para "tirar proveito" desses investimentos. Como regra geral, os países da América Latina estão no grupo de maior disponibilidade e menor lacuna de produtividade. Os da Europa do Leste estão no grupo de menor disponibilidade e maior lacuna de produtividade. Já os africanos estão no grupo de elevada disponibilidade e maior lacuna de produtividade.Por fim, o terceiro elemento considerado no estudo é o cruzamento de três variáveis: lacuna de produtividade, razão entre área utilizada para agricultura e área disponível e uma medida de tamanho médio da área cultivada. Países como Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai têm a menor lacuna, maior razão e maior tamanho médio, indicando que têm setores agrícolas mais estruturados e consolidados do que os demais países analisados.Esses três elementos indicam que a propensão dos investidores a apostar no Brasil é elevada, porque o País tem o ativo procurado em abundância; que, atualmente, o Brasil é um dos lugares preferidos para investir, porque resultará na melhor combinação entre valorização do capital e rentabilidade da produção; que existe uma janela de oportunidade que não durará para sempre, porque, no futuro, os países africanos serão preferidos.O Brasil já se protege nos setores de telecomunicações e financeiro, apenas para tomar dois exemplos, obrigando o investidor estrangeiro a prestar serviços no País e permanecer aqui. Da mesma forma, podem ser criadas medidas que obriguem o investidor em terra a gerar renda e emprego, não concentrar a posse da terra, cumprir, acima da média do setor, suas obrigações ambientais e promover transferência de tecnologia para produtores menos preparados. Com incentivos corretos, o investidor estrangeiro pode se transformar em exemplo para o setor agrícola. São empresas expostas a um risco reputacional não existente no produtor pessoa física individual. O País deveria ter esse personagem como aliado, em vez de tratá-lo como persona non grata.DIRETOR-GERAL DO ICONE. E-MAIL: AMNASSAR@ICONEBRASIL.ORG.BRC