Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Teto não é piso

Exclusivo para assinantes
Por Redação
3 min de leitura

Não deveria haver nenhuma dúvida com relação aos dispositivos da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) ? em vigor há pouco mais de dez anos, com resultados muito positivos para a gestão do dinheiro público ? que fixam um limite para as despesas com pessoal nos três níveis de governo e determinam como esses gastos serão repartidos pelos Três Poderes e pelo Ministério Público. Mas muitos administradores públicos estão transformando o limite máximo numa espécie de autorização prévia para gastar mais. E essa forma peculiar de interpretação dos limites impostos pela LRF é utilizada até pelas principais autoridades do Poder Judiciário.O texto da lei é muito claro. A despesa total com pessoal "não poderá exceder" determinado porcentual da receita corrente líquida nos três níveis de governo. O limite foi fixado em 50% para a União; e para os Estados e municípios, em 60%. Quanto à repartição desses gastos, há limites específicos para as esferas federal, estadual e municipal. No caso da União, a lei especifica que, do limite de 50% que pode ser gasto com o funcionalismo, a parte que cabe ao Legislativo (incluindo o Tribunal de Contas da União) é de 2,5%; a do Judiciário é de 6%; a do Executivo, de 40,9%; e a do Ministério Público da União, de 0,6%.A lei também é clara ao estabelecer que, se a despesa com pessoal exceder 95% do limite, medidas preventivas de contenção terão de ser adotadas, tais como o impedimento da concessão de vantagens, aumentos, reajustes ou acerto de vencimentos, a criação de cargos, mudanças em estrutura de carreira que impliquem despesas adicionais, a contratação de pessoal ou o pagamento de hora extra. Esses 95% do limite ficaram conhecidos como "limite prudencial", a partir do qual são necessárias providências destinadas a conter as despesas com o funcionalismo.Na justificação do projeto de lei que enviou ao Congresso em dezembro para alterar a política de remuneração dos integrantes da carreira judiciária ? e que aumenta em 41% os gastos totais do Judiciário com pessoal ?, os presidentes dos tribunais superiores que a assinam argumentam que, pela LRF, há uma "margem de crescimento" para se gastar mais com pessoal.A tabela que acompanha a justificação deixa claro o raciocínio dos magistrados. Como a previsão da receita corrente líquida da União para 2011 é de R$ 532,62 bilhões, o limite legal para os gastos do Poder Judiciário com pessoal (6% do total) é de R$ 31,96 bilhões e o prudencial, de R$ 30,36 bilhões. Ora, prossegue o raciocínio, se o orçamento de pessoal do Poder Judiciário federal para 2010 é de R$ 15,53 bilhões, há uma "margem de crescimento legal" de R$ 16,43 bilhões e uma "margem de crescimento prudencial" de R$ 14,83 bilhões. Tudo, portanto, fica dentro dos limites da LRF e muito mais ainda poderia ser gasto sem feri-los.Ora, limite é limite. O fato de ele não ter sido atingido não significa que gastos adicionais estão previamente autorizados ou que esse fato cria uma "margem de crescimento" das despesas. Trata-se de um teto, não de um piso para os gastos, como muitos administradores públicos enviesadamente interpretam a restrição, utilizando-a como justificativa para ampliar os gastos.Os limites para despesas com pessoal inscritos na LRF resultaram de uma média dos gastos realizados pelos três níveis de governos em 1995, 1996 e 1997. Na época da discussão e votação do projeto da LRF, muitos gestores criticaram esses limites, que consideravam muito rigorosos.O crescimento da economia propiciada pela estabilidade decorrente do Plano Real, colocado em prática em 1994, combinado com a estrutura tributária brasileira ? que assegura ao governo receitas proporcionalmente maiores do que a taxa de crescimento da economia ?, resultou em aumento constante da carga tributária. Entre 2002, pouco depois da entrada em vigor da LRF, e 2009, a receita corrente líquida da União teve aumento nominal de 195%, bem maior do que a inflação do período, de 79,3%.Com o grande crescimento da receita, os limites que antes eram criticados por serem muito rigorosos, hoje são frouxos, o que abre espaço para que prosperem argumentos como os utilizados pelo Poder Judiciário.É preciso reduzir os limites.