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Tolerância, violência e crise

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Por Redação
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A abertura do processo de impeachment aprovada pela Câmara dos Deputados praticamente por unanimidade - 76 votos contra 1 - é, até agora, a consequência política mais grave dos problemas que, com declarações e atitudes ambíguas, o presidente paraguaio, Fernando Lugo, vem alimentando desde o início de seu mandato, em 2008. Há pouco, a atitude dúbia de Lugo em relação aos sem-terra e aos grupos políticos que atuam à margem da lei no norte do país resultou na morte de 18 pessoas, entre as quais 7 policiais, numa operação de reintegração de posse determinada pela Justiça. Essa desastrosa operação levou a Câmara a aprovar o processo de impedimento de Lugo, por "mau desempenho de suas funções". O processo será examinado pelo Senado.Os conflitos ocorridos no dia 15 no Departamento de Canindeyú, perto da fronteira com o Brasil, são, em grande medida, consequência da tolerância do governo diante do problema dos sem-terra paraguaios. Lugo fez da reforma agrária um dos principais temas de sua campanha eleitoral. Estimulados pelas promessas do presidente, os sem-terra passaram a exigir áreas para a reforma agrária e a invadir propriedades privadas.Entre as terras definidas como prioritárias para fins de reforma agrária, o governo Lugo incluiu as da faixa de fronteira e as de propriedade de estrangeiros. Esses critérios abrangem a maioria das áreas hoje cultivadas por brasileiros ou seus descendentes - os brasiguaios - que, nas últimas quatro décadas, ali se têm dedicado ao plantio de soja e outros produtos e à pecuária.Em fevereiro, as propriedades de brasiguaios no Departamento de Alto Paraná estiveram seriamente ameaçadas de ser invadidas por cerca de 10 mil sem-terra que alegavam que aquelas áreas haviam sido concedidas a seus atuais ocupantes por meio de favorecimento político. Negociações entre os governos do Paraguai e do Brasil evitaram choques sangrentos.Numa nota em que afirmava que cumpriria a decisão judicial garantindo a propriedade das terras a seus atuais ocupantes, Lugo deu argumentos aos sem-terra ao dizer exatamente o que eles têm dito, ou seja, que muitos dos atuais proprietários obtiveram as áreas que ocupam graças a favorecimento político no passado e hoje prejudicam seu programa de reforma agrária.É esse discurso ambíguo que, além de deixar sérias dúvidas sobre a consistência das garantias de Lugo de que as leis serão cumpridas, encoraja os sem-terra a ampliar suas ações, cada vez mais violentas e, agora, com maiores evidências de participação do Exército do Povo Paraguaio (EPP). Trata-se de um minúsculo grupo criminoso que tenta instalar a guerrilha no norte do país.Cerca de 300 policiais participaram da operação de reintegração de posse, determinada pela justiça, de uma propriedade de 2 mil hectares ocupada há dois anos pelos sem-terra. O ministro do Interior que autorizou a operação, Carlos Filizzola - que, por causa dela, foi demitido por Lugo, que também demitiu o chefe da Polícia, Paulino Rojas -, disse que a força policial foi emboscada por um grupo de cerca de 150 homens, armados com fuzis e pistolas. Os combates duraram oito horas. Além das 18 mortes, houve cerca de 80 feridos.O chefe de investigações da Polícia de Canindeyú, Walter Gómez, disse que os camponeses sabiam manejar bem as armas e atiravam para matar. A promotora Ninfa Aguilar acrescentou que os autores da emboscada utilizavam as táticas do EPP, estavam fardados, tinham armas pesadas e pareciam ter tido treinamento militar. Não eram simples camponeses.O governo Lugo tem tratado com leniência o EPP, da mesma forma que tem sido condescendente com as ações ilegais e cada vez mais violentas dos sem-terra. Mobilizações militares e policiais no norte do país anunciadas como de combate ao grupo criminoso não têm apresentado resultados e começam a ser encaradas pela população como meros atos de propaganda política. Agora, para se manter no cargo, Lugo terá de se justificar perante o Congresso.