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Trabalho infantil

É preciso determinação para fundamentar políticas públicas capazes de coibir o trabalho infantil ilegal

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Por Redação
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Os indicadores sociais e de renda da população, captados pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua de 2016, que visitou mais de 200 mil domicílios para traçar um retrato das condições de emprego e acesso a bens da família brasileira, vão além de apresentar números atualizados sobre a extrema desigualdade entre os habitantes do País. Mostram, por exemplo, um retrato preciso do que ocorreu no âmbito do trabalho infantil, no ano passado. A Constituição permite o trabalho a partir de 14 anos de idade, apenas na condição de aprendiz vinculado a um projeto de formação escolar.

Segundo o levantamento, que foi realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), no decorrer do ano passado 1,8 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos estavam trabalhando – submetidos a salários baixos, em condições insalubres e com uma carga horária média semanal de 25,3 horas – para ajudar na renda da família. Desse total, 1,2 milhão – do qual 190 mil tinham até 13 anos de idade – se encontrava exposto a riscos e em situação inteiramente irregular. Dessas 190 mil crianças, apenas 26% recebiam algum tipo de remuneração – R$ 141 para os meninos e R$ 112 para as meninas.

A pesquisa mostrou que, do total de menores ocupados no País, 65,3% são meninos e 34,7% são meninas. A participação feminina é maior na faixa etária de 14 a 17 anos, enquanto a participação masculina é maior no grupo entre 5 e 13 anos. O levantamento também revelou que 47,6% das crianças de 5 a 13 anos que trabalhavam no ano passado estavam ocupadas em atividades agrícolas; 24,7% em segmentos como construção, indústria, transportes e serviços; 21,4% no comércio; e 6,3% em serviços domésticos.

O Brasil havia se comprometido a eliminar até 2015 a presença de crianças na lista das piores formas de trabalho, segundo os critérios da Organização Internacional do Trabalho (OIT), como é o caso de venda de produtos nos sinais de trânsito, serviços com objetos cortantes, colheita de pimenta no campo, carvoarias e matadouros. A meta não foi atingida em 2016, mas o trabalho ilegal de menores de idade vem caindo, com relação aos anos anteriores. “É inegável que houve redução no trabalho infantil no Brasil, mas não o esperado. O alarmante é que pelo menos metade dessas crianças e adolescentes está exercendo trabalhos que as expõem a riscos de mutilação, queimaduras, violência física ou estupro. Quando não estão com a família ou na escola, essas crianças estão vulneráveis e entregues à própria sorte”, afirma a ministra Kátia Arruda, do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

O levantamento detectou que 25% dos adolescentes de 16 e 17 anos que estavam trabalhando, em 2016, deixaram a escola. E também registrou que as taxas de repetência permanecem altas. A redução da evasão escolar é decisiva para se romper o ciclo do trabalho infantil ilegal, afirmam os coordenadores de Trabalho e Rendimento do IBGE. Isso porque, sem educação formal, dificilmente os jovens acima de 14 anos conseguem ingressar na economia formal. O problema é que, além da falta de condição financeira das famílias para manter os filhos na escola, o tipo de ensino oferecido aos adolescentes dessa faixa etária está em total descompasso com a realidade do mercado de trabalho, deixando-os insatisfeitos com o hiato entre o que têm de aprender e seu dia a dia. “O desenho do ensino médio é equivocado e acaba expulsando os jovens da escola. O Brasil é o único país do mundo onde o ensino médio tem um currículo único. Todos os jovens têm de fazer as mesmas 13 disciplinas obrigatórias, com quase nenhuma interdisciplinaridade”, diz Priscila Cruz, presidente do movimento Todos pela Educação.

Levantamentos como a Pnad 2016 são decisivos para fundamentar políticas públicas capazes de estimular crianças e adolescentes a permanecer estudando e de coibir o trabalho infantil ilegal. Contudo, é preciso determinação para que essas políticas sejam formuladas.