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Trump e a política do contra

Presidente norte-americano demonstra que está disposto a cumprir as perigosas promessas que os mais otimistas preferiam encarar como destinadas apenas a ganhar a eleição e serem revistas depois

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Por Redação
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Com o decreto que desmonta a política ambiental de seu antecessor, Barack Obama, o presidente norte-americano, Donald Trump, demonstra mais uma vez que está disposto a cumprir as perigosas promessas que os mais otimistas preferiam encarar como destinadas apenas a ganhar a eleição e serem revistas depois. Ele falava sério e o mundo tem boas razões para se inquietar com isso, porque, como líder da maior potência econômica e militar, seu arrogante voluntarismo pode acarretar sérias consequências que vão muito além das fronteiras dos Estados Unidos.

Com a revogação das principais regras constantes do Plano de Energia Limpa – que ele determinou que seja refeito pela Agência de Proteção Ambiental –, Trump afirmou que seu objetivo é conseguir a independência energética de seu país e criar mais empregos com a reativação da decadente e poluente indústria do carvão, outrora pujante em Estados de forte tradição republicana. Cercado por mineiros entusiasmados, ele prometeu com o tom de campanha que tem marcado seus pronunciamentos desde que tomou posse: “Vocês sabem o que é isso, amigos? Vocês voltarão ao trabalho”.

Formalmente, os Estados Unidos não se retiram do Acordo de Paris, assinado em dezembro de 2015 por 196 países, depois de longas e difíceis negociações, que estabelece compromissos para enfrentar o aquecimento global, mas na prática é o que vai acontecer com o decreto de Trump. Com ele, seu país não conseguirá cumprir o compromisso de reduzir de 26% a 28% suas emissões dos gases de efeito estufa até 2025. Sendo os Estados Unidos e a China os maiores poluidores – e mesmo que esta não recue também, como tudo indica no momento –, muito dificilmente será possível atingir as metas do acordo, e o mundo inteiro pagará por isso.

Não apenas todos perderão, como a medida adotada também não produzirá os efeitos prometidos por Trump na criação de empregos e para a independência energética dos Estados Unidos, como se apressaram a alertar renomados especialistas na matéria. Quanto à autossuficiência em energia, por exemplo, já foi atingida pelo país como consequência de vários fatores, entre eles a exploração de gás natural.

E a decadência da indústria do carvão não é efeito de políticas ambientais e, por isso, sua reativação não deve trazer os benefícios esperados. Robert Stavins, diretor do Programa Ambiental da Universidade Harvard e um dos maiores especialistas em política climática dos Estados Unidos, lembra que os empregos na mineração de carvão estão diminuindo há décadas, por duas razões principais: novas tecnologias que aumentaram a produtividade e reduziram a necessidade de mão de obra e, mais recentemente, os baixos preços do gás natural – além disso, uma energia mais limpa –, que o tornaram mais competitivo do que o carvão.

A reativação das minas não resultará em significativo aumento de empregos. É preciso considerar também que a indústria do carvão não tem peso importante na economia norte-americana: empregava 87 mil pessoas em 2008 e 65 mil em 2015.

Tudo leva a crer, portanto, que a decisão de Trump foi motivada ou por demagogia de um presidente impopular em começo de mandato, que precisa cortejar setores, como o dos mineiros, que apoiaram sua eleição, ou ele acredita mesmo, como disse em sua campanha, que o aquecimento global é uma mentira difundida pela China para prejudicar os Estados Unidos. A essa altura seu comportamento permite aceitar outras explicações, igualmente preocupantes.

Trump é um presidente que até agora só agiu para demolir o que foi feito por seu antecessor, sem propor iniciativas inovadoras e importantes. Não se pode ir muito longe nesse caminho. O futuro de seu governo vai depender, numa boa medida, do comportamento de seu partido, que começa a dar mostras de não estar disposto a acompanhá-lo nessa política do contra, como aconteceu com o malogrado projeto destinado a substituir o Obamacare.