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Turbinar a CVM

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Por Redação
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A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) quer tornar mais severas as penas que aplica e, conforme noticiou o Broadcast na ocasião, a autarquia apresentou ao governo federal, em dezembro de 2014, uma proposta de endurecimento das penalidades, proposta esta que integraria um projeto de lei do Executivo para elevar o poder de fogo de diversos órgãos reguladores. No entanto, mesmo sem a mudança na legislação, a CVM pode - e não só pode, deve - cumprir com maior diligência o seu dever de fiscalizar e de punir irregularidades. Nos últimos anos, em diversos casos, ficou evidente que a atuação da CVM deixou a desejar - quer seja fiscalizando, quer seja punindo. Ao instituir a CVM, a Lei 6.385/76 estabeleceu que a autarquia é "dotada de autoridade administrativa independente, ausência de subordinação hierárquica, mandato fixo e estabilidade de seus dirigentes, e autonomia financeira e orçamentária". Tais características garantem que a CVM tenha condições de exercer, com independência e isenção, suas importantes atribuições, como, por exemplo, a fiscalização permanente das atividades e serviços do mercado de valores mobiliários e a proteção dos investidores contra "atos ilegais de administradores e acionistas controladores das companhias abertas". O problema que a CVM enfrenta é aquele de todas as agências reguladoras: a liberação de seu orçamento, a despeito da declarada autonomia financeira e orçamentária, depende da boa vontade do Ministério da Fazenda. Além de impor advertências e multas, a autarquia pode, com base na legislação atual, suspender o exercício do cargo de administrador ou de conselheiro fiscal de companhia aberta, inclusive inabilitando a pessoa até o prazo de 20 anos para o exercício desses cargos. Ou ainda proibir até por 20 anos que alguém atue, direta ou indiretamente, em uma ou mais modalidades de operação no mercado de valores mobiliários. Ou seja, não é pequena a sua competência. No entanto, nos últimos anos a CVM não tem tido o protagonismo que a lei lhe confere na fiscalização e na punição de irregularidades. O caso da Petrobrás é emblemático, já que foi a Securities and Exchange Commission (SEC, entidade que regula o mercado de capitais norte-americano) que - com a sua fiscalização - atuou em primeiro lugar, e de forma mais eficaz para resguardar os direitos dos acionistas da empresa. É difícil de entender a razão pela qual a CVM tenha demorado tanto para perceber que havia algo de irregular na Petrobrás, diante do notório uso político de uma empresa de capital aberto - afetando os seus acionistas - ou diante das denúncias de corrupção. É também incompreensível a omissão do órgão regulador diante da manipulação de preços dos derivados de petróleo praticados pela Petrobrás a mando de seu acionista controlador, mas ao arrepio da lei. Em resposta, o presidente da CVM, Leonardo Pereira, afirmou que "nós mandamos um ofício à Petrobrás em outubro e quando mandamos um ofício é porque estamos analisando um caso há algum tempo". Se a CVM atua com essa morosidade num caso de tal envergadura - quando há muito já existiam sérios indícios de graves irregularidades nas atividades da estatal -, é de se questionar se a mudança legal agora proposta terá efeito prático. A Petrobrás não é, no entanto, um caso isolado de letargia da CVM. O empresário Eike Batista que o diga. Por um bom período, a CVM pareceu fechar os olhos às evidentes fragilidades dos relatórios do Grupo X, aceitando-os como se fossem consistentes. Foi mais um episódio de irregularidade em que a autarquia veio a reboque dos fatos, quando a sua missão é exatamente a inversa: chegar antes, protegendo o mercado, especialmente os acionistas minoritários. A CVM quer penas mais duras? Nada a opor. Mas talvez a sua proposta de endurecimento da legislação possa ser mais bem recebida se, desde já, cumprir com maior diligência o seu papel. Caso contrário, pode-se transmitir a equivocada impressão de que é tudo um jogo de cena.