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Um estranho no ninho

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Por Redação
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A incapacidade do governo de administrar suas contas, dramatizada pela apresentação ao Congresso Nacional do Orçamento para 2016 com a previsão de um inédito déficit na casa dos R$ 30,5 bilhões, coloca em xeque a posição do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que defendia a missão que lhe foi atribuída – basicamente, o corte de despesas –, mas trombou com a tendência oposta, patrocinada pelo lulopetismo, de manter a gastança e procurar o equilíbrio orçamentário por meio do aumento de impostos. “Prestigiado” pela presidente Dilma Rousseff, Levy está a cada dia mais fraco no governo, a ponto de haver especulações sobre o quanto mais ele suportará, ou será suportado, nas condições em que se encontra. De modo cada vez mais ostensivo, o PT defende a saída do ministro.

Joaquim Levy, no entanto, não pode se queixar. Quando aceitou o surpreendente convite de Dilma para assumir o comando da equipe econômica, sabia perfeitamente – ou deveria saber – no que estava se metendo. Seja porque acreditou nas garantias que, meio em desespero de causa, a chefe do governo lhe ofereceu de que teria suficiente autonomia para colocar as contas do governo em ordem; seja porque cedeu à tentação de correr riscos pelos 15 minutos de fama de que desfrutaria como titular da Fazenda; seja por puro e ingênuo patriotismo, o fato é que Joaquim Levy fez uma aposta que tinha tudo para dar errado por uma simples e óbvia razão: sempre foi e jamais deixará de ser um estranho no ninho, num governo que, antes de ser do Brasil, é do PT e está aparelhado prioritariamente para consolidar o projeto de poder do partido.

Hoje está claro que, ao recrutá-lo para a espinhosa missão de promover o ajuste fiscal num governo populista – que por princípio e vocação é chegado à gastança –, Dilma pretendia, provavelmente mais do que qualquer outra coisa, fazer média com os agentes econômicos internos e externos dos quais dependem as oscilações do fluxo de investimentos na combalida economia brasileira. E esse é certamente o motivo que fará sempre a presidente pensar duas vezes antes de entregar a cabeça de Levy aos petistas e aliados que a exigem sob o argumento de que austeridade fiscal é pretexto das elites perversas para oprimir o povo.

O impasse orçamentário que expôs a incompetência política e técnica do governo Dilma é o resultado do antigo conflito entre administradores públicos “desenvolvimentistas” e “fiscalistas”. É claro que os primeiros não são, necessariamente, gastadores irresponsáveis nem os outros, tecnocratas insensíveis para quem equilíbrio fiscal é mais importante do que o bem-estar social. Esse dissídio não passa – quando estão envolvidos administradores que sabem que o equilíbrio das contas públicas é precondição indispensável para o cumprimento de metas governamentais – de divergência quanto à dosagem adequada dos remédios fiscais a serem prescritos, divididos em duas categorias: os que afetam a despesa e os que interferem na receita.

O populismo petista, no entanto – apoiado por facções ideológicas que preconizam um estatismo tornado obsoleto pela conquista de direitos sociais pela via democrática e pela economia globalizada –, privilegia o imediatismo de intervenções governamentais pontuais no campo social, que não produzem os mesmos efeitos duradouros de programas de inclusão voltados para a efetiva inserção dos cidadãos marginalizados na vida econômica do País, mas oferecem aos donos do poder enormes benefícios eleitorais. O PT estará sempre, portanto, praticando a gastança para atender a suas prioridades eleitorais e não conhece outra forma de alcançar o equilíbrio orçamentário senão o aumento da carga tributária. Só não dirá que essa carga é sempre mais pesada para quem tem menor poder aquisitivo.

Diante dessa situação surreal – o partido da presidente da República e as entidades e organizações sociais que a apoiam são contra o reajuste fiscal que ela propõe sem convicção nenhuma –, Joaquim Levy está cada vez mais exposto ao tiroteio a ponto de até líderes empresariais com ambições eleitorais passarem a atacá-lo. Afinal, resta-lhe apenas o papel de fiador de uma política fiscal que não consegue implementar.