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Um leilão atrasado e confuso

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Por Redação
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O governo federal decidiu alterar o edital de licitação de linhas interestaduais de ônibus, cujo leilão estava previsto para maio e junho deste ano, para que somente empresas que já atuam nesse mercado possam participar. A mudança, que contraria a essência do que é uma concorrência pública, coroa um longo processo marcado por atrasos, confusões e disputas judiciais - um imbróglio típico da administração petista quando concede serviços públicos à iniciativa privada.É longa a novela dos ônibus interestaduais. Até 1993, as linhas eram operadas em regime de permissão - delegação de serviço público a título precário - sem nenhuma forma de transparência. Naquele ano, para fazer respeitar o que manda a Constituição de 1988, um decreto estabeleceu que as permissões expirariam em 2008, quando então deveria haver licitação para as concessões.Veio o ano de 2008 e as permissões venceram, mas o governo ainda não havia conseguido estruturar um modelo de concorrência. Assim, as empresas de ônibus receberam autorização especial, provisória, para continuar operando, e é essa a situação atual.Em agosto do ano passado, a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT) enfim elaborou um modelo de licitação, mas somente o fez por determinação judicial. Em setembro de 2011, a Justiça concedeu liminar, a pedido do Ministério Público Federal do Distrito Federal, dando 120 dias para que a ANTT concluísse o processo e lançasse o edital. A agência recorreu e obteve mais 90 dias. Nem com esse longo prazo e com os diversos cronogramas estabelecidos pela ANTT e o Tribunal de Contas da União o edital foi publicado. "Não se pode admitir que o prazo de 15 anos deferido para a tarefa seja insuficiente", disse sentença da 9.ª Vara Federal do Distrito Federal ao avaliar o caso. Não há como discordar.O edital, finalmente publicado, prevê a redistribuição de 2.109 linhas divididas em 54 lotes, com previsão de investimentos da ordem de R$ 23 bilhões. Como existem 207 empresas no setor, certamente haverá concentração de mercado - algo que tende a se acentuar ainda mais quando se observa que o edital passou a exigir que os participantes sejam "prestadoras de serviço público regular de transporte rodoviário coletivo de passageiros, operado com ônibus rodoviário".O governo argumenta, conforme registrou o jornal Valor, que as mudanças visam a favorecer empresas que "possuam experiência mais pertinente e compatível na prestação do serviço, em características, quantidades e prazos com o objeto da licitação". Com isso, diz o Ministério dos Transportes, será possível fazer "arranjos societários mais adequados ao objeto da licitação", trazendo "maior efetividade ao processo licitatório, mitigando os efeitos da transição para os vencedores da licitação". Em outras palavras, será estabelecida uma reserva de mercado.Outro aspecto do edital, levantado em estudo da Fundação Getúlio Vargas e que tem sido objeto de críticas por parte das empresas, é o que inclui nos blocos ofertados 88 linhas com demanda anual de 673 passageiros e previsão de uma única viagem por mês. As empresas se queixam, com razão, de que tais linhas representam prejuízo incontornável.Já em relação às linhas mais lucrativas, o edital prevê uma taxa de ocupação dos ônibus de 95% em média - uma estimativa fora da realidade, pois pressupõe que os ônibus viajariam com lotação quase completa em todos os horários de todos os dias do ano. Tal modelo pode gerar, em vez da melhoria do transporte interestadual e do aumento da lucratividade, seu exato oposto: redução da frota e descontinuidade de serviços.Um processo assim, marcado por tanta incompetência, só pode ser decidido mesmo no tapetão - não à toa, o leilão foi suspenso no final do ano passado graças a uma liminar da Justiça Federal, atendendo a um pedido do sindicato das empresas de ônibus de São Paulo. Essas companhias se queixam de que o edital não lhes dá o prazo previsto em lei para tentar impugná-lo se forem encontradas inconsistências - que, como se observa, não são poucas.