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Um Ministério sem sentido

Por que havia necessidade de se criar um Ministério para a segurança pública se já havia uma pasta, a da Justiça?

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Por Redação
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O Ministério Extraordinário da Segurança Pública terá como principal missão “coordenar e promover a integração da segurança pública em todo o território nacional em cooperação com os demais entes federativos”, diz o texto da medida provisória que o criou, assinada no dia 26 pelo presidente Michel Temer. Com isso, o governo pretende conjugar esforços para estabelecer “uma política efetiva de segurança nacional”, nas palavras de Raul Jungmann, ministro designado para a nova pasta. Na mesma linha de raciocínio, o presidente Temer argumentou que “o crime só se fortalece com a fragmentação dos esforços do poder público”. Entende-se, portanto, quais são os objetivos gerais do Ministério – capitanear o combate ao crime organizado, que naturalmente desconhece divisas estaduais –, mas nenhuma das explicações a respeito da novidade foi capaz de dirimir as principais dúvidas que cercam a iniciativa.

A primeira delas é óbvia: por que havia necessidade de criar um Ministério para atuar na área de segurança pública se já havia uma pasta, a da Justiça, que poderia realizar a mesma tarefa, pois dispunha dos poderes e dos órgãos necessários para essa função, inclusive uma Secretaria Nacional de Segurança Pública? Agora, toda essa estrutura, que inclui a Polícia Federal, a Polícia Rodoviária e o Departamento Penitenciário Nacional, foi transferida para o novo Ministério, resultando no esvaziamento do Ministério da Justiça. Amplia-se a máquina do Estado – pois é claro que a criação de um Ministério pressupõe a contratação de funcionários e mais despesas de custeio – na expectativa de que a simples iniciativa de criar outra instância burocrática gere as condições para a resolução de um problema tão grave e complexo como é o da segurança pública.

Há escassas razões para acreditar que a constituição de um Ministério que alude nominalmente à segurança pública será capaz de fazer, nessa seara, mais do que vinha fazendo o Ministério da Justiça, com estrutura muito semelhante. Se assim fosse, com o perdão do chiste, bastaria criar um Ministério da Prosperidade Econômica para colocar o País no rumo da felicidade.

A segunda dúvida diz respeito ao raio de atuação do novo Ministério. Como se sabe, a Constituição atribui aos Estados a responsabilidade pela segurança pública direta, isto é, o combate ao crime, por meio das Polícias Civil e Militar. A intenção do constituinte era voltar ao tradicional modelo federativo, rompendo o modelo do regime militar, que imbricava a segurança pública na segurança nacional. Agora, a julgar pelas palavras do ministro Jungmann, a pretensão do governo é voltar a tratar a questão da segurança pública como um problema nacional, sob o argumento de que o crime organizado sofisticou a bandidagem, isto é, não basta reprimir bandidos neste ou naquele Estado se as organizações mafiosas atuam de forma integrada em todo o território brasileiro e também em países vizinhos.

Segundo Jungmann, essa divisão entre União e Estados no que diz respeito à segurança pública “não dá mais conta”. Para o ministro, o fato de que a maior parte dos recursos orçamentários reservados para segurança pública tenha sido destinada aos Estados gera uma situação que “não atende à realidade atual da expansão do crime organizado”.

Além disso, o presidente Temer argumentou que “a segurança pública é hoje algo solicitado por todo o País”, referindo-se aos constantes pedidos de socorro de governadores à União para combater o crime organizado, por meio das Forças Armadas e de reforço orçamentário.

Para o governo, portanto, sua medida é necessária porque o crime mudou de patamar, a ponto de tornar obsoletas as determinações constitucionais nessa área. Pode até ser verdade, mas isso não muda o fato de que qualquer medida destinada a enfrentar essa realidade teria necessariamente de ser precedida de uma revisão do pacto federativo previsto na atual Constituição. Sem isso, o que se tem é mais um episódio destes tempos esquisitos em que a vontade substitui a lei.