Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Um museu mal conservado

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Por Redação
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O Museu Paulista, mais conhecido como Museu do Ipiranga, é um dos pontos turísticos mais frequentados de São Paulo. Os 300 mil visitantes por ano, da própria capital ou de fora, nele se têm deparado ultimamente com um panorama desolador: o forro de um de seus principais salões cedeu dez centímetros e o prédio ainda não foi adaptado às exigências de acesso a deficientes físicos. No lado de fora, correntes de proteção impedem a aproximação de curiosos da fachada para evitar o risco de que pedaços de reboco da área, que estão caindo, possam feri-los. Trincas e rachaduras são visíveis nos cômodos internos. A tinta de látex usada na última pintura, feita há 22 anos, criou uma camada sintética que permite o acúmulo da água de chuva nas falhas, o que desmancha os tijolos da parede, provando-se, por isso, inadequada. O grande responsável pela situação é o descaso com que este patrimônio cultural e cartão-postal da cidade de São Paulo, com 122 anos de existência, tem sido tratado pela instituição encarregada de cuidar dele desde 1963: a Universidade de São Paulo (USP).Erguido em 1890 às margens do Córrego do Ipiranga, nas quais o príncipe português dom Pedro de Alcântara proclamou a independência do Brasil da corte de seu pai, o rei dom João VI, o prédio, de estilo renascentista, foi projetado pelo arquiteto e engenheiro italiano Tommaso Gaudenzio Bezzi. Os especialistas atribuem à perícia do autor do projeto a possibilidade de o edifício, planejado para ser monumento, ter sido adaptado para sediar um museu cinco anos depois: os 150 mil itens do acervo pesam toneladas e já no primeiro ano de funcionamento, 1895, ele recebeu o número - impressionante para a época - de 40 mil visitantes. Daí para cá, o museu foi fechado quatro vezes para reformas: em 1921, de 1953 a 1955, em 1961 e em 1963. Não foi necessário fechá-lo para a última delas, nos anos 1980. A concorrência de muitos visitantes, as intempéries naturais e a má conservação ao longo dos últimos anos ameaçam a inclusão do museu entre os locais onde se comemorará o segundo centenário da Independência, em 2022.Para evitar esse vexame, o reitor da USP, João Grandino Rodas, nomeou para dirigi-lo a arquiteta Sheila Walbe Ornstein, autora de sete livros e ex-vice-diretora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP. E não mais um historiador, como foram todos os seus antecessores desde o primeiro, Afonso d'Escragnolle Taunay, até a última, Cecília Helena de Salles Oliveira. A tarefa dela será cuidar de uma reforma que, devido à precariedade a que chegaram as instalações, terá de ser encarada como uma reconstrução. Sua tarefa principal, segundo declarou ao repórter Edison Veiga, do Estado, será garantir que o prédio se mantenha como está. Para isso, os administradores planejam construir um anexo que dobrará sua área útil para abrigar laboratórios e reserva técnica, mantendo o prédio original apenas para exposição das peças artísticas e históricas do acervo.Com o objetivo de dar mais conforto aos visitantes, a administração gastará R$ 21 milhões postos à sua disposição pela USP para construir rampas, banheiros e catracas, substituir a parte elétrica obsoleta e recuperar as fachadas. O sistema de segurança também será substituído para evitar furtos de peças.A reforma do museu, contudo, demandará muito mais recursos do que os disponíveis. A diretora conta com a ajuda da iniciativa privada. "A sociedade precisa se mobilizar e nos ajudar a conseguir esses recursos", disse Sheila Walbe Ornstein. Por mais óbvias que sejam suas razões ao fazer este justo apelo, elas não podem obscurecer outra evidência: a de que a USP, uma instituição reconhecida pela excelência acadêmica no mundo inteiro, não tenha tido capacidade nem tirocínio para cuidar de um patrimônio histórico e cultural da importância da instituição centenária. Para colaborar nessa obra, sem dúvida meritória, a sociedade precisa receber da mais importante instituição acadêmica do País a garantia de que desde já o Museu do Ipiranga receberá a atenção merecida, mas que não lhe tem sido dispensada.