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Um 'rei' no poder em Kiev

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Por Redação
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A maioria absoluta dos ucranianos que quiseram - ou puderam - participar das eleições presidenciais de domingo votou inequivocamente pela estabilização do país, a defesa da unidade nacional e a aproximação com o Ocidente. E, decerto à falta de melhor, escolheu para portar essas bandeiras Petro Poroshenko, de 48 anos, conhecido como o "rei do chocolate", por ser o maior fabricante do produto no país. Como todo oligarca que se preze, é dono também de muitos outros empreendimentos, entre eles um dos mais populares canais de TV da Ucrânia.Atuante desde 1998 na corrupta política local, serviu a todos os díspares, quando não antagônicos, governos formados desde então. Era ministro da área econômica do presidente Viktor Yanukovich quando, em novembro do ano passado começaram em Kiev os protestos que o poriam em fuga três meses depois por ter recuado, sob o chicote e o afago do líder russo Vladimir Putin, da decisão de assinar um acordo comercial com a União Europeia que abriria as portas para o ingresso da Ucrânia no bloco.Combinando conveniência e convicção - como ministro do Exterior de outro presidente, defendeu o ingresso do país na Otan, a aliança militar ocidental -, rompeu com Yanukovich ao atentar para o crescimento avassalador do movimento que àquela altura exigia a destituição do presidente. Vitoriosa a revolta e instalado o governo interino que marcou nova eleição para 25 de maio, era de esperar que o candidato das barricadas seria o popular e carismático Vitali Klitschko, ex-campeão mundial de boxe. Mas este preferiu disputar (com êxito) a prefeitura de Kiev e apoiar Poroshenko.A crise que eclodiu com a anexação da Crimeia pela Rússia e a irrupção de violentos movimentos separatistas na região de Donetsk, no leste do país habitado por substanciais contingentes de etnia russa, avivou o sentimento nacionalista dos ucranianos a oeste a ponto de não aparecer ninguém para disputar a presidência, pregando uma acomodação com o vizinho que até bem pouco mantinha 40 mil tropas acantonadas a um tiro de canhão da fronteira comum. Semanas antes da votação - barrada, no leste, pelas milícias -, já não havia dúvidas, portanto, da vitória de Poroshenko.Mas alguma forma de acomodação terá de ser buscada. Os sinais de Moscou são - relativamente - conciliadores. Na véspera do pleito, Putin assegurou que respeitará, naturalmente, a escolha do povo ucraniano e cooperará com as autoridades que ascenderem ao poder. Só que, no seu entender, a reforma constitucional que aguarda votação no Parlamento de Kiev poderá abreviar o mandato do novo presidente. Desde a queda de Yanukovich, Putin bate na tecla de uma Constituição que federalize o país, com o que o leste se tornaria amplamente autônomo.Seria claramente a rota menos acidentada para a Rússia afirmar a sua influência na região e evitar que se enraíze a "guerra civil" que Putin diz já estar em curso ali - e que não lhe interessa. De seu lado, Poroshenko prometeu pacificar a Ucrânia "unida e unitária". Parece duvidoso, porém, que, no estado em que ela se encontra, desesperadamente necessitada de US$ 35 bilhões para não falir, com a sua moeda em queda livre e a Rússia - seu maior parceiro comercial - cobrando-lhe US$ 3,5 bilhões pelas compras de gás não pagas, ele queira agravar as tensões com Moscou. Tampouco, aliás, desejará ver ameaçados os seus robustos negócios pessoais no país.Problemas políticos o aguardam também em Kiev. Derrubado Yanukovich, o Parlamento recolocou em vigor a Constituição de 2004, segundo a qual cabe ao Legislativo nomear não só o primeiro-ministro, como também os membros do seu Gabinete, podendo ainda criar ou extinguir Ministérios. Para acalmar as demandas pela renovação do Legislativo, Poroshenko apressou-se a prometer que se empenhará para convocar, ainda este ano, eleições parlamentares. Também falou em "tolerância zero com a corrupção". Deve saber que nem mesmo os seus milhões de eleitores lhe deram um atestado de ficha limpa.