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Uma irresponsabilidade

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Por Redação
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Se havia ainda alguma dúvida sobre a mistura de improvisação e motivação política com que a Prefeitura vem tratando a implantação de ciclovias na capital, ela deixa de existir com os fatos que demonstram esse comportamento lamentável, constantes de reportagem do Estado. Elas estão sendo implantadas não em regiões da periferia onde são de fato necessárias - porque há demanda e condições topográficas favoráveis -, mas nos bairros centrais, onde sua utilidade é no mínimo discutível, mas sua visibilidade garante publicidade certa. Ou seja, prevalece a demagogia sobre o tratamento técnico que a questão exige.Um exemplo disso é o Jardim Helena, na zona leste, a 30 km do centro, um dos bairros que têm mais ciclistas na cidade, mas ainda não sabe o que é uma ciclovia. O terreno plano - o bairro se situa na várzea do Tietê - favorece esse meio de transporte. O uso da bicicleta para trabalhar, ir à escola e passear faz parte há muito tempo da vida de seus moradores. Quem trabalha longe usa a bicicleta para ir até a estação da CPTM. "Bicicleta sempre fez parte da minha rotina, desde criança", diz um morador, mostrando que sua utilização é um hábito arraigado na região.Na periferia, só a Vila Prudente, na zona leste, e a Capela do Socorro, na zona sul, receberam um mínimo de atenção da Prefeitura. Mínimo porque tiveram direito a minguados 3 km de ciclovias, em contraste com bairros centrais que ganharam sete vezes mais - 20,5 km. Com muito mais recursos para tal do que a reportagem do Estado, a Prefeitura poderia, com um pequeno esforço, constatar igualmente que é a periferia que concentra o maior número de ciclistas.Nem mesmo esse esforço seria preciso, porque um estudo respeitado como a Pesquisa Origem e Destino do Metrô, divulgada no início deste ano, com dados de 2012, mostra essa realidade. Em primeiro lugar no uso da bicicleta na cidade estão os bairros Jardim Helena, Itaim Paulista, São Miguel, Vila Curuçá e Vila Jacuí, com a média de 18.008 viagens a trabalho por dia. Mas até agora não foi construído neles nem um quilômetro sequer de ciclovia. E ali a bicicleta tem um peso social e econômico forte. A economia que ela permite é importante, como lembra um morador: "Representa um bife a mais no prato da família".Nada disso foi capaz de levar o prefeito Fernando Haddad - que não perde ocasião de proclamar que o "social" é sua prioridade - a dar a óbvia prioridade das ciclovias à periferia. O que aconteceria também se a prometida implantação de 400 km tivesse sido precedida pelos estudos e planejamento normais numa intervenção urbana dessa dimensão.Haddad preferiu dar atenção à região central, onde o número de trabalhadores e estudantes que usam bicicleta é menor. Uma opção ruim do ponto de vista social e infeliz do ponto de vista técnico. Dois meses depois da implantação dos 10 km de ciclovias da região da Praça da República e dos bairros de Santa Cecília e Barra Funda, eles continuam vazios fora dos horários de pico. Não há demanda suficiente para elas. Por isso, são invadidas por motociclistas, skatistas, carroceiros e até automóveis.A explicação de Haddad - com sua linguagem confusa - para essa opção é um primor: "Nós começamos pelo centro porque era a área mais difícil de ser feita uma malha. Nós começamos pelo mais difícil até para aprender com eventuais erros e expandir isso para toda a cidade. O centro é muito emblemático porque o desafio logístico não se encontra em nenhum outro lugar da cidade". Acredite quem quiser, se é que dá para entender.O que se esconde atrás dessa confusão é simples. Como diz um reconhecido especialista em transporte urbano, Sérgio Eizenberg: "Hoje estamos vendo a colocação das ciclovias onde não tem demanda. As ciclovias estão vazias. O que está sendo feito é cumprir a agenda política".Em termos ainda mais diretos, o que Haddad está fazendo é demagogia. Como isso envolve nada menos que 400 km de ciclovias, que afetam o sistema viário, é também uma irresponsabilidade.