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Uma manobra arriscada

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Por Redação
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É politicamente arriscada a bem-sucedida manobra de Lula e do PT para substituir o ministro da Justiça, que sempre acusaram de “não fazer nada” para conter as investigações policiais que levaram vários dirigentes do partido para a cadeia e chegam aos calcanhares do ex-presidente. A faxina ética que a Operação Lava Jato e congêneres estão promovendo nos altos escalões da administração federal transformou-se no grande símbolo da luta contra a impunidade dos poderosos. E essa talvez seja a única bandeira capaz de empolgar, unir e mobilizar os brasileiros. Se a troca do ministro da Justiça vier a frustrar essa expectativa, revelando-se uma manobra destinada a “corrigir” os rumos das investigações sobre a corrupção no governo, poderá acender o rastilho de uma reação popular de magnitude imprevisível.

De resto, a demissão de José Eduardo Cardozo é apenas o que se poderia esperar do lulopetismo desesperado para sobreviver e de uma presidente da República sem força até para segurar no cargo um dos poucos ministros que desfrutam de sua total confiança. Cardozo logrou manter-se firme na defesa da autonomia da Polícia Federal para investigar os malfeitos de figurões da República – autonomia proclamada e defendida pela própria Dilma – até o momento em que essas investigações chegaram perigosamente perto de Lula.

Deu-se agora algo como o chamado “caso Cpem” de 1997, quando uma comissão de investigação do PT integrada pelo então vereador paulistano José Eduardo Cardozo, Hélio Bicudo e Paul Singer apoiou as denúncias do ex-secretário da Fazenda de São José dos Campos Paulo de Tarso Venceslau contra Roberto Teixeira, amigo e advogado de Lula, acusado de se beneficiar ilicitamente de contratos sem licitação da empresa de consultoria Cpem com administrações municipais petistas. Lula e a tigrada tiveram uma reação enérgica: expulsaram Paulo de Tarso do partido. E, como se vê, até hoje, quase 20 anos depois, não perdoaram José Eduardo Cardozo.

O comportamento de Cardozo à frente do Ministério da Justiça vinha se pautando por um princípio que Dilma, Lula e o PT sempre se gabaram de defender e aplicar: a garantia de apoio e “autonomia absoluta” da Polícia Federal na “luta sem tréguas” contra a corrupção. Não se conformam os petistas, no entanto, que “só o PT” seja alvo das investigações policiais, o que está muito longe de ser verdade. A mesma queixa poderiam fazer o PMDB e o PP. De fato, governistas aparecem em muito maior número que oposicionistas nas listas de suspeitos, investigados e condenados por corrupção. Mas também é fato que petistas e aliados, por serem governo, dispõem com maior abundância das condições objetivas que lhes permitem corromper ou ser corrompidos.

Diante do cerco policial que se estreita, Lula e o PT armaram uma estratégia de defesa que consiste, entre outros pontos, em bater na tecla da absoluta idoneidade moral do ex-presidente. Mas soa cada vez mais ridícula, por exemplo, a tentativa de Lula de convencer os brasileiros de que o sítio que não lhe pertence mas frequenta com assiduidade em Atibaia foi colocado à sua disposição por velhos, bons e leais amigos, para “os dias de descanso”. E a prova de que os brasileiros não são tão idiotas como Lula imagina está no resultado de pesquisa Datafolha divulgada no domingo passado.

A pesquisa não levanta a questão da propriedade dos dois imóveis de Atibaia e do Guarujá, mas revela que para 62% dos entrevistados Lula foi beneficiado pelas obras realizadas pela construtora OAS no tríplex e, entre eles, 58% entendem que a empresa recebeu em troca algum tipo de vantagem do PT. Sobre o sítio de Atibaia, os números são praticamente os mesmos.

Está claro, portanto, que a indiscutível maioria dos brasileiros já tomou partido na disputa entre os que lutam contra o fim da impunidade dos poderosos e os que tentam interromper o combate para preservar um projeto de poder que tem se sustentado dos frutos da corrupção. Qualquer tentativa de sabotar o que a Lava Jato simboliza certamente levará para as ruas uma indignação que a tigrada ainda não conhece.