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Uma nova Cracolândia

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Por Redação
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É preocupante a incapacidade demonstrada pelas autoridades da área de segurança pública para reprimir o tráfico de drogas na Rua Peixoto Gomide, entre as Ruas Augusta e Frei Caneca, local que já está sendo chamado de Cracolândia dos Ricos. Seis meses depois que uma reportagem do Estado chamou a atenção para o que se passa ali, a situação pouco mudou. Se nem mesmo numa região considerada nobre se consegue evitar a formação de uma nova Cracolândia, ainda que em dimensões reduzidas, a população tem razões de sobra para se sentir ainda mais insegura.Num primeiro momento houve bons motivos para acreditar que a polícia ia fazer o que dela se esperava. Um mês depois da denúncia sobre a "feira" de drogas que ali funcionava todas as noites, com maior movimento nas de sexta-feira e de sábado, a repressão aos traficantes - que ofereciam aos gritos e vendiam livremente maconha, cocaína, LSD, ecstasy e lança-perfume nas calçadas e entre os carros - produziu bons resultados.Ações da Polícia Militar e da Polícia Civil - Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) e policiais do 4.º Distrito Policial (Consolação) - levaram à prisão em flagrante de 15 traficantes e 15 adolescentes por eles aliciados para a venda de drogas na região. Ainda se viam alguns jovens fumando maconha na rua, mas a "feira" deixou de existir e, com isso, a situação melhorou consideravelmente. Reuniões de policiais civis com moradores e representantes da Associação do Bairro, para a troca de informações, foram mais um sinal de que poderia estar em curso uma ação mais consistente e prolongada para restaurar a ordem e a tranquilidade na região.Infelizmente, não foi o que aconteceu. O que era bom durou pouco. Segundo uma nova reportagem do Estado, a situação é praticamente a mesma mostrada seis meses atrás. Moradores e comerciantes dizem que nada mudou, com traficantes oferecendo drogas livremente, consumidas por jovens e adolescentes na rua e nas calçadas, sem qualquer constrangimento. Para muitos moradores as coisas pioraram. Segundo um deles, a situação se tornou incontrolável: "São muitos viciados se embebedando e usando drogas. Eles mexem com os pedestres e praticam relações sexuais no meio da rua". Outros se queixam de que a polícia nunca aparece, nem mesmo quando chamada por eles.A reação do secretário da Segurança Pública, Fernando Grella Vieira, é decepcionante. Ele admite que o que se passa naquela região é de seu conhecimento e promete realizar ali "novas operações em breve". Ou seja, limita-se a tratar o problema com obviedades e lugares-comuns - que a questão da droga é complexa, que "os traficantes migram para outros locais", que é preciso um policiamento permanente e que esse problema não é só policial. Mas como ele indiscutivelmente é também - se não em primeiro lugar - policial, por que então a polícia não faz a parte dela? Manter a ordem e combater o tráfico numa área tão pequena como aquela, de poucos quarteirões, não é nenhum bicho de sete cabeças. A inação da polícia nesse caso é incompreensível. Dias atrás, no quadro de uma operação chamada Selva de Pedra, ela conseguiu desmontar uma quadrilha que atuava na Cracolândia, com a prisão de 13 pessoas, entre elas uma mulher considerada um dos chefes do tráfico na região. Competência não lhe falta, portanto, desde que respaldada pela determinação de agir para valer.O fato de a Cracolândia dos Ricos da Peixoto Gomide ser ainda pequena não justifica o pouco-caso das autoridades, pois salta aos olhos que a sua tendência é crescer e degradar uma região importante da cidade, processo que já começou com a saída de vários moradores, assustados com a violência, e com a consequente desvalorização dos imóveis.Deixar que traficantes e usuários de drogas controlem, por enquanto durante a noite, um trecho da Peixoto Gomide, a poucas quadras da Avenida Paulista e perto de dois dos mais importantes hospitais da cidade - o Sírio-Libanês e o Nove de Julho -, é inaceitável.