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Uma providência oportuna

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Por Redação
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O presidente Michel Temer parece ter-se dado conta de que, se tem compromisso com a mudança de rumos do governo a partir do afastamento temporário de Dilma Rousseff e deve impor rigoroso programa de austeridade fiscal, precisa passar das palavras aos atos. Revela a intenção de conter as inclinações fisiológicas de seu próprio partido, o PMDB, e da base aliada, a decisão que adotou na segunda-feira, suspendendo todas as nomeações para a direção de estatais e fundos de pensão, até que a Câmara dos Deputados vote o projeto de lei complementar que disciplina essas nomeações, que deverão se circunscrever a pessoas “com alta qualificação técnica”.

O desafio que o governo provisório tem pela frente é gigantesco, principalmente porque implica corrigir rumos erráticos e decisões equivocadas de uma administração da qual, por muitos anos, o PMDB foi o principal aliado e parceiro. Beneficiou-se, portanto, de vantagens oferecidas por um governo que, como está demonstrado, se orientou por padrões morais permissivos que resultaram num escandaloso toma lá dá cá elevado à condição de método por um PT determinado a se perpetuar no poder.

O PMDB, ao aliar-se ao PT na gestão Lula, fez jus à opinião manifestada pelo ex-peemedebista Fernando Henrique Cardoso quando, cerca de 20 anos antes, ele e seu grupo político optaram por criar um novo partido, o PSDB: “A cultura clientelística tradicional e com ela a corrupção – da pequena à grande – modernizaram-se e robusteceram-se e o PMDB, ao invés de ser o dique contra essa inundação, passou a ser o canal de acesso às regalias”.

Esse PMDB é o que restou da frente ampla que teve papel político decisivo na redemocratização do País e hoje, sob o comando de políticos com interesses diversos e eventualmente suspeitos – como a Operação Lava Jato está demonstrando –, virou governo na esteira da investidura interina de Michel Temer. De braço dado com as mesmas legendas que, aliadas ao PT, desfrutaram por muitos anos das benesses do poder, os peemedebistas ambicionam agora ampliar seu poder, pelo menos até o ponto em que a Lava Jato o permitir.

Não há razão, portanto, para imaginar que tanto o PMDB como as legendas acolhidas no governo provisório – que precisa de seus votos no Congresso – alimentem ambições distintas das que eram saciadas nos governos petistas. Em português claro, parlamentares dos quais dependem as medidas que o governo interino pretende implantar não estão dispostos a abrir mão das regalias de que desfrutavam no governo Dilma. Só continuarão dando lá se receberem cá.

Essa constatação revela a dimensão trágica de um problema vital que não será resolvido por um governo provisório nem pelo Parlamento que está aí: o esgotamento, decorrente da corrosão provocada pelo secular predomínio do patrimonialismo, desse sistema político sustentado por uma estrutura partidária incapaz de garantir genuína representação popular. Parlamentares para quem o mandato eletivo é apenas um salvo-conduto para a fruição das benesses do poder só enxergam aqueles a quem deveriam representar às vésperas de eleições. Esse é o perfil de parte substancial dos políticos, que montaram uma estrutura partidária na exata medida de suas conveniências.

Diante do poder avassalador de um vagalhão de maus políticos cuja expressão acabada é a nefasta figura de Eduardo Cunha, é preciso reconhecer que fez bem o presidente Michel Temer ao agir com rigor e sinalizar que negociações políticas fazem parte do jogo democrático, mas tudo tem limite. O compartilhamento do poder num regime democrático só pode ser estabelecido no âmbito restrito do legítimo interesse público. Temer, portanto, fez bem no sentido de merecer a confiança e o apoio popular de que necessita para começar a botar o País nos eixos. Mas ainda foi pouco. A ver, daqui para a frente, até que ponto a firmeza se sustentará diante do insaciável apetite de maus políticos incapazes de priorizar o interesse nacional mesmo num momento de grave crise como a que o País enfrenta.