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Opinião|Unesp, 40 anos e uns tantos sinais

Atualização:

Meio ano se passou e mesmo em meio à turbulência política que nos acompanha cotidianamente, dentro e fora do País, não podemos deixar de lembrar que uma de nossas mais importantes universidades, a Unesp, completa 40 anos. Não é muito tempo para que uma universidade alcance a maturidade e por ela seja reconhecida, se tivermos como parâmetro as mais importantes universidades do mundo. A Unesp é filha e protagonista de um tempo vertiginoso que tem conduzido o País pelos caminhos da modernidade, cujo saldo, apesar de problemas de toda ordem, é largamente positivo. Depois de 40 anos é justo saudar o percurso realizado por essa universidade que, ao consolidar o seu perfil multicâmpus, se tornou modelo para instituições de ensino superior que foram criadas depois dela em outros Estados.

Por suas origem e trajetória, a Unesp representa o êxito e as vicissitudes do processo de modernização do Estado de São Paulo. Hoje ela está presente em 24 cidades por meio de 29 faculdades e institutos, que abrangem todas as áreas do conhecimento e oferecem 155 cursos de graduação a cerca de 37 mil alunos, além de 146 programas de pós-graduação a outros 13.500 alunos, sendo 112 deles em nível de doutorado. Abriga em seus quadros cerca de 3.800 docentes e 6.700 servidores técnico-administrativos. Seus professores participam de centenas de pesquisas e são responsáveis por parte significativa da produção científica do País.

A Unesp guarda em si os elementos essenciais que compõem a visão que o mundo moderno reserva à universidade – essa notável sobrevivente do medievo europeu, ainda legitimada entre nós. No centro dessa visão está o entendimento de que uma universidade deve afirmar-se na justa relação entre o ideal do conhecimento e uma instituição organizada para sua produção. Essas duas dimensões muitas vezes andaram juntas na História e outras vezes se distanciaram, chegando a segunda a se sobrepor à primeira por questões religiosas, ideológicas ou por imposição de regimes autoritários.

Como ideal, a universidade nutre-se da inquietação de homens e mulheres dedicados às ciências, ao pensamento, às artes, à investigação. Mas essa instituição também é uma relação social que se funda e se reproduz tendo como base aquilo que a sociedade demanda dos que procuram saber mais, buscam conhecer melhor a realidade material e espiritual dos homens, seus desafios e limites. Ela forma profissionais que procuram responder às suas necessidades e, ao mesmo tempo, se esforçam para superar o conhecimento já produzido.

A universidade não pode viver sem uma íntima conexão com os problemas do seu tempo. Ela precisa apurar a sua percepção a respeito das demandas da sociedade, dialogar com ela, mas também refletir criticamente sobre seus impasses e descaminhos. Como instituição, deve procurar ainda estabelecer novas orientações organizacionais quando isso se impuser como uma necessidade.

Criada e consolidada a partir dessa perspectiva, a Unesp seguiu o modelo das grandes universidades públicas multifuncionais, vocacionadas para a unidade entre ensino e pesquisa. No mundo ocidental, esse tipo de universidade, nem sempre gratuita, é essencialmente mantida com recursos governamentais. Atualmente, há um reconhecimento quase generalizado de que esse modelo deve passar por reformas. A autonomia acadêmica e financeira parecem ser duas teses já assimiladas. No entanto, há questões que precisam ser enfrentadas, tais como sua expansão, os critérios de acesso, a modernização de sua gestão e, por fim, o problema do seu financiamento. No Brasil, a questão do financiamento é reconhecidamente dramática em função da gritante desigualdade social, da injustificada gratuidade para determinados segmentos sociais, além das determinações constitucionais.

Por quase um século a adoção daquele modelo possibilitou que o País produzisse um conhecimento de alta qualidade, que não pode ser negligenciado. Nas últimas décadas a universidade assumiu uma tarefa cidadã da maior relevância, tornando-se parte integrante das lutas para fazer avançar a democracia na sociedade brasileira.

Como resultado, a universidade foi gradativamente se tornando de massa, aberta cada vez mais à cidadania e preocupada com o bem comum. A essas afirmações veio a somar-se o paradigma da sociedade do conhecimento como mais uma referência importante da nossa contemporaneidade. Mas todas essas mudanças foram acompanhadas de transformações sociais marcadas por intenso processo de individuação, que acabaram produzindo uma espécie de mescla paradoxal de democratização social e de imposição do mundo dos interesses privados, sem que ainda possamos saber qual deles vai vingar ou que combinação entre eles poderá emergir no futuro. Tudo isso invadiu o espaço acadêmico, alterando a sociabilidade universitária.

Não há dúvida que a universidade brasileira e a Unesp, em particular, seguiram um curso democrático e republicano nos últimos tempos, obedecendo aos anseios da sociedade. Um processo de mão dupla que instituiu no País uma universidade ideológica e politicamente plural, aberta a vocações diferenciadas e atenta às necessidades da comunidade em que atua.

São 40 anos de uma história positivamente inconclusa e aberta. Contudo, dado o estado de ruínas que o País vivencia, os riscos de uma regressão não estão fora do radar. Corporativismos e ideologismos ancilosados e anacrônicos, que povoam o ambiente universitário, são cada vez mais ameaçadores, visíveis na Unesp e em suas coirmãs. Não é demais lembrar que, em termos éticos, racionais e profissionais, é imperioso impedir a fratura entre o ideal do conhecimento e a instituição que o alberga. Trata-se de um requisito essencial para que a universidade continue a ser produtivamente desafiada pelo seu presente.

*Alberto Aggio é historiador e professor titular da Unesp