Como restam poucos veículos de comunicação independentes na Venezuela, só é possível conhecer a dimensão real das violações dos direitos humanos no país quando as entidades que corajosamente os defendem contra a truculência do regime chavista conseguem fazer suas denúncias em foros internacionais. Vários desses grupos relataram à Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da Organização dos Estados Americanos, que neste ano houve um sensível recrudescimento da repressão aos dissidentes - os abundantes casos de tortura e de assassinatos extrajudiciais são apenas alguns exemplos. Essa violência se soma à piora do quadro econômico, que, como salientaram as organizações, também priva os venezuelanos mais pobres de seus direitos básicos."Aprofundou-se a exclusão política, com a criminalização da dissidência, ao que se somou o agravamento da exclusão social", afirmou Marino Alvarado, do Programa Venezuelano de Educação-Ação em Direitos Humanos. Segundo ele, os 36 programas sociais em vigor no país não impediram que a pobreza aumentasse 6% em 2013, em um cenário em que a inflação já supera 70%.Esse quadro tende a agravar o quadro de confronto, porque os descontentes serão cada vez mais numerosos - uma pesquisa recente do Datanalisis mostra que 80% dos venezuelanos consideram negativa a situação do país. Considerando-se que o Estado venezuelano está cada vez mais militarizado e que as milícias chavistas já demonstraram do que são capazes, pode-se prever que o futuro imediato é sombrio.O governo de Maduro não tem medido esforços para calar a dissidência. Para Carlos Correa, da ONG Espacio Público, este foi um dos piores anos para a imprensa livre na Venezuela. Ao menos quatro grandes veículos de comunicação foram economicamente sufocados e acabaram vendidos a grupos alinhados ao chavismo. Cerca de 280 jornalistas foram demitidos por pressões do governo, e os jornais preferem exercer a autocensura a enfrentar a perseguição implacável.Sem a imprensa independente para incomodar o regime, cresceram os casos de assassinatos extrajudiciais - segundo Liliana Ortega, da ONG Comitê de Parentes de Vítimas, foram 823 casos neste ano, contra 669 em 2013. A entidade informou que há registros de 110 casos de torturas e maus-tratos contra participantes das manifestações contra o governo realizadas entre fevereiro e maio. Além disso, foram detidas neste ano cerca de 1.700 pessoas em atos de protesto contra o governo, número muito superior à média, segundo a Espacio Público. As entidades afirmam que quase nenhum processo relativo a crimes cometidos por agentes do Estado foi concluído, transformando a impunidade em norma.Liliana Ortega disse que a maior parte das vítimas do Estado é de menores de 25 anos e que elas não têm a quem recorrer, pois o governo venezuelano controla o Judiciário e retirou o país da Corte Interamericana de Direitos Humanos, que poderia servir de instância judicial para as denúncias da oposição.Relatos como esses deveriam mobilizar os países democráticos da América Latina para pressionar o presidente Nicolás Maduro a interromper a espiral de violência e a estabelecer um diálogo sério no país, que está à beira do colapso. O que se observa, no entanto, é o silêncio."Não há dúvida de que a atitude dos governos latino-americanos em relação à Venezuela e a outros casos similares tem sido decepcionante", disse José Miguel Vivanco, da ONG Human Rights Watch. Liliana Ortega, por sua vez, queixou-se da atitude "tímida" dos vizinhos, e Marino Alvarado pediu "mais atenção" por parte do Mercosul e da Unasul - organizações que exigem de seus integrantes compromissos democráticos.Nessa linha, a oposição venezuelana pediu à presidente Dilma Rousseff que, agora reeleita, "assuma construtivamente seu papel no processo de busca de uma solução pacífica, eleitoral, democrática e constitucional da crise venezuelana". É um apelo justo.