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Vinculações e eficiência

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Por Redação
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Por ingenuidade, desconhecimento das incongruências da administração pública, autoengano ou, como parece ser a maioria dos casos, oportunismo, de tempos em tempos políticos propõem a destinação obrigatória de fatias da arrecadação tributária para áreas específicas de atuação do poder público, sob a alegação de que, assim, estariam assegurados os recursos necessários para dinamizar ou melhorar os serviços nessas áreas.Além do recente aumento de 5,1% para 10% do PIB dos gastos obrigatórios com educação, aprovado pelo Congresso e sancionado pela presidente Dilma Rousseff, há pelo menos cinco projetos que obrigam o poder público a aplicar uma porcentagem mínima de sua receita em determinados setores. Períodos eleitorais tendem a tornar os parlamentares mais suscetíveis a propostas desse tipo. Mas, ao contrário do que dizem seus defensores, elas não resultarão, necessariamente, em melhorias nessas áreas. São, ao contrário, uma ameaça à boa gestão, pois podem gerar desperdícios e outras distorções.Os recursos que têm destinação obrigatória, e por isso conhecidos como "dinheiro carimbado", compõem a "receita vinculada". As vinculações, como mostrou o Estado (7/8), já cobrem 87% do Orçamento da União. Isso quer dizer que, das receitas tributárias de que teoricamente poderia dispor para executar seu programa - sobretudo para elevar os investimentos na ampliação e melhoria de serviços públicos -, o governo federal só pode destinar livremente a modesta fatia de 13%.As vinculações, desse modo, tolhem a capacidade do governo de utilizar o dinheiro público nos programas com os quais se comprometeu perante o eleitorado ou são prioritários para a população. Falhas administrativas, incompetência gerencial na execução dos projetos, desperdícios ou corrupção reduzem ainda mais a eficiência no uso do dinheiro do contribuinte, pois retardam ou impedem a geração dos benefícios de que a sociedade tem o direito de dispor como retribuição pelo pagamento dos impostos.Para tentar dar um pouco mais de racionalidade à administração pública, instrumentos que reduzem as vinculações têm sido criados nos últimos anos. O atual, a Desvinculação dos Recursos da União (DRU) - criada em 2000 e cuja vigência tem sido prorrogada com frequência (pela legislação atual ela expirará em 31 de dezembro de 2015) -, desvincula 20% do dinheiro "carimbado".Os projetos que criam vinculações caminham no sentido contrário. Entre os que a reportagem do Estado localizou no Congresso há um, do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), que vincula 2% das receitas da União e 1% das dos Estados e municípios para programas de habitação. Só na esfera federal, essa medida aumentaria em R$ 34 bilhões os gastos, neste ano, com programas habitacionais, o que dobraria o orçamento do Programa Minha Casa, Minha Vida, um dos mais custosos do governo Dilma Rousseff, que o transformou em sua vitrine política. Outro projeto, do ex-deputado paulista William Woo (então filiado ao PSDB), propõe a destinação de 8% do Orçamento federal, 2% dos estaduais e 1% dos municipais para ações e serviços de desporto. No total, os cinco projetos vinculariam mais R$ 176 bilhões do Orçamento da União, quase o dobro da dotação atual do Ministério da Educação.Não se discute a necessidade de aplicação de recursos públicos em áreas essenciais cujos serviços são insuficientes ou insatisfatórios (além da educação, já há vinculação para a saúde). Há carências na área habitacional e o desempenho das equipes brasileiras em competições esportivas internacionais tem sido, em muitos casos, decepcionante - quanto mais próximos estivermos dos Jogos Olímpicos, mais frequentemente esse fato será invocado por quem defende a vinculação de receitas para aplicação em esportes.O País necessita de programas públicos eficientes nessas áreas. Isso exige identificação correta dos problemas, avaliação das necessidades, concepção adequada de projetos, execução eficiente e, também, recursos. Mas, sem boa administração, a garantia de recursos mínimos estimulará o desperdício e não assegurará resultados.