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Votando em causa própria

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Por Redação
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A Câmara dos Deputados votou, em primeiro turno, a maior parte da chamada "reforma política". A ideia era dar conta de todo o pacote até sexta-feira, mas, como ninguém é de ferro, os deputados decidiram deixar o que falta para a segunda semana de junho. E voltaram para casa exaustos por terem enfrentado um batente ao qual não estão habituados, mas felizes e satisfeitos, pois votaram um monte de projetos com enorme coerência: sempre em benefício próprio.

Quem se iludiu, portanto, com a possibilidade de que os representantes do povo estivessem verdadeiramente dispostos a, finalmente, levar a sério o clamor nacional pelo aperfeiçoamento do sistema político em benefício das instituições democráticas tem de se conformar, mais uma vez, com o fato de que a tão alardeada "reforma" resultou até agora - e nada indica que esse quadro venha a se modificar significativamente - num ajuste pontual de conveniências dos próprios políticos. O pouco que até agora mudou foi para manter as coisas como estão.

A alteração mais notável das regras do jogo político foi o fim da reeleição para cargos executivos. É medida que tem prós e contras e foi aprovada, pela mais ampla maioria até o momento (452 a 19), não pela relevância que na verdade não tem, mas porque significa, para os políticos, uma substancial ampliação de possibilidades eleitorais. O argumento de que o fim da reeleição favorece a renovação dos quadros dirigentes tem peso relativo, pois renovação, em si, não significa muita coisa, principalmente se contraria a recomendação sensata de que em time que está ganhando não se mexe.

Duas outras propostas aprovadas demonstram como os nobres parlamentares confundem política com negócio. A primeira, as doações de empresas, limitadas aos partidos e não mais aos candidatos, só foi aprovada, depois de ter sido rejeitada na véspera, por um golpe regimental do presidente Eduardo Cunha. A outra proposta aprovada foi a débil cláusula de barreira que permite o acesso ao Fundo Partidário e à propaganda eleitoral gratuita às legendas que tenham elegido pelo menos um deputado ou senador. Foi a recompensa que os “nanicos”, ameaçados de ficar sem nada, receberam por terem cumprido o acordo de votar a favor das doações de empresas e do distritão.

O financiamento de campanhas eleitorais por empresas privadas é um absurdo do qual para se dar conta basta atentar para o fato de que essas doações são feitas, em geral, por empreiteiras de obras públicas. Empreiteiros não apoiam esta ou aquela legenda: dão dinheiro para todas ao mesmo tempo. Investem nos partidos políticos certos de que terão alto retorno, garantido pela falta de escrúpulos de quem está no governo, qualquer governo. Além disso, a pesada influência do dinheiro das empresas no resultado das eleições colide com o princípio democrático de que o voto é um direito da cidadania e não das corporações: um cidadão, 1 voto.

Os deputados mantiveram ainda intocadas as coligações nas eleições proporcionais, o que contraria o princípio da representatividade partidária, pois o voto em candidato de um partido pode eleger o candidato de outro. O chamado "efeito Tiririca", pelo qual os muitos votos de um candidato popular ajudam a eleger correligionários bem menos votados, é inerente ao sistema proporcional, que admite também voto só na legenda, porque se baseia na suposição de que, para representá-lo no Parlamento, o eleitor escolhe, antes do candidato, o partido. Não faz sentido, portanto, o voto dado a um partido beneficiar outro, como ocorre nas coligações.

Ficou para junho a votação, em primeiro turno, de outras propostas, como unificação das eleições numa só data, mandato de cinco anos para os cargos executivos, relaxamento da fidelidade partidária e, esta sim, uma mudança que pode ter forte impacto nas eleições: fim do voto obrigatório.

Encerrada a votação de todas essas medidas em primeiro turno, a Câmara ainda se manifestará mais uma vez sobre as que tiveram aprovação, para depois encaminhá-las para mais dois turnos de votação no Senado. Até a conclusão do processo tudo pode acontecer, mas não é de esperar que o resultado final escape à tendência até agora sinalizada de mexer o mínimo possível no que já existe e preservar os interesses estabelecidos dos senhores parlamentares.