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Zoneamento deturpado

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Por Redação
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Importantes modificações introduzidas no projeto da nova Lei do Zoneamento em fase final de tramitação na Câmara Municipal – no que se refere às regras para a punição para quem provoca barulho e nos gabaritos que fixam a altura de construções em extensa área da cidade –, sem o amplo debate com todas as partes interessadas que a matéria recomenda, podem prejudicar seriamente a vida da população. Por isso, tudo deve ser feito, no curto tempo que resta, para evitar que essas mudanças, motivadas sabe-se lá por que interesses, se tornem realidade. Por duas vezes, o relator do projeto, vereador Paulo Frange (PTB), aceitou a introdução de mudanças no gabarito dos prédios a serem construídos nas Zonas de Centralidade (ZC) espalhadas por toda a cidade, especialmente os bairros que compõem o centro expandido. Primeiramente, a altura máxima permitida em vias que funcionam como centros de bairros – como a República do Líbano, em Moema, e Rua Clélia, na Lapa, por exemplo – passou dos atuais 28 metros (8 andares) para 40 metros (14 andares). Depois, no último sábado, nova alteração, incluída no segundo texto do substitutivo do projeto, aumentou ainda mais a altura, que passou para 48 metros (16 andares). Se aprovada, essa mudança criará eixos secundários de verticalização – o que vai na contramão do Plano Diretor e, portanto, não deveria sequer ser cogitado –, determinando o tamanho dos edifícios em 8% do território da cidade. O importante é tanto a extensão da área afetada como as consequências negativas que ela vai sofrer. Como observa a arquiteta Lucila Lacreta, do Movimento Defenda São Paulo, “o resultado é que teremos prédios mais altos em locais onde o trânsito já é bastante ruim e onde não há necessariamente transporte público”. A outra alteração, referente ao barulho, também deve prejudicar a maioria, que terá seu sossego perturbado, para favorecer a minoria, formada pelos que querem se divertir sem restrições à noite e os que ganham dinheiro com isso. O projeto foi emendado para aumentar o nível máximo de barulho tolerado entre 22 horas e 7 horas, que passa de 40 para 50 decibéis nos bairros situados nas Zonas Mistas (ZMs), como a Vila Madalena. Como se isso já não bastasse para favorecer principalmente bares, restaurantes, casas noturnas e obras de construção, as multas aplicadas a quem desobedece essas regras, já tão afrouxadas, ficam muito reduzidas. Elas passam dos atuais R$ 42,6 mil para R$ 8 mil, uma redução de 80%. Os presentes aos barulhentos não ficam só nisso. Hoje a multa varia de acordo com o tamanho do estabelecimento de onde vem o barulho. Pela nova proposta, ela não vai mais depender da sua capacidade de lotação. As liberalidades com os barulhentos foram tão longe que provocaram reação dentro da própria Câmara. O vereador Eliseu Gabriel (PSB) contraatacou apresentando emenda que mantém os 40 decibéis nas ZMs. Proposta logo apoiada por seu colega Gilberto Natalini (PV), para quem “o ruído urbano é um dos maiores problemas da cidade. É fator de neurose, de surdez, de doença, desconforto. Aumentar o nível permitido é indefensável. Essa lei, do ponto de vista ambiental, é trágica”. Não se discute o direito de pessoas quererem se divertir e outras quererem ganhar dinheiro com isso, um negócio tão legítimo como qualquer outro. Desde que isso não se choque com o direito ao sossego da maioria da população, perturbado por barulho que ultrapassa determinado limite que o poder público determina com base em critérios técnicos e não aleatórios, como parece ser o caso do vereador Paulo Frange e de todos aqueles que se beneficiarão das mudanças que propõe, se a Câmara cometer a imprudência de aprová-las. Em outras palavras, é o velho princípio, que continua em pleno vigor, segundo o qual o direito de cada um termina onde começa o do outro. É lamentável que uma matéria de tamanha importância para a cidade, como a Lei do Zoneamento, seja tratada com tanta leviandade. Ainda há tempo de corrigir esse erro.