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O risco de desvirtuamento do Carf

Se a MP do Contribuinte Legal for aprovada, com a alteração feita a pedido das entidades empresariais, será comprometido o princípio de equidade até agora vigente no órgão

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Por Notas & Informações
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Usando as mesmas artimanhas da equipe econômica do governo, que costuma incluir diferentes temas nas Medidas Provisórias (MPs) – o que a lei veda –, entidades empresariais pressionaram deputados a promover uma alteração de última hora na MP do Contribuinte Legal, incluindo um dispositivo que nada tem que ver com seu tema principal.

Baixada em outubro de 2019, essa MP foi concebida para permitir descontos de créditos tributários na negociação de débitos fiscais com a União e tem de ser votada esta semana tanto pela Câmara quanto pelo Senado para não perder validade. A alteração introduzida no final da semana passada a pedido de entidades empresariais impõe ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) uma nova regra para o caso de um julgamento terminar empatado. Órgão encarregado de julgar no plano administrativo os recursos impetrados contra autuações feitas pela Receita, o Carf tem uma composição paritária – metade de seus conselheiros representa o Fisco e a outra metade representa os contribuintes.

Pelas regras em vigor, os julgamentos são presididos por conselheiros que representam a União. E, quando terminam empatados, o presidente tem o voto de qualidade – ou seja, seu voto vale por dois. Como ele quase sempre dá ganho de causa à Receita Federal, a legislação permite que os contribuintes derrotados possam rediscutir o caso judicialmente. Já quando a Receita perde no Carf, ela não pode ir ao Judiciário e a discussão se encerra em caráter definitivo.

A alteração incluída na MP do Contribuinte Legal revoga o voto de qualidade do presidente do Carf. Também prevê que no caso de empate prevalecerá o interesse do contribuinte. Contudo, ela não altera o dispositivo que proíbe o Fisco de recorrer aos tribunais, no caso de ser derrotado no plano administrativo. Por isso, se a MP for aprovada, a alteração comprometerá os princípios de paridade e equidade até agora vigentes no Carf.

Numa das MPs baixadas há alguns meses, o Ministério da Economia incluiu um dispositivo que limitava o direito de recurso dos contribuintes – item que não tinha relação com a matéria principal daquele texto. À época, a artimanha foi duramente criticada, pois desvirtuava os princípios da paridade e da equidade em favor da União. A mesma crítica pode ser feita com o jabuti colocado na MP do Contribuinte Legal, pois esses princípios agora são desvirtuados em favor das empresas.