Imagem ex-librisOpinião do Estadão

Teto de gastos: virtudes e defeitos

Nada deve impedir o debate sobre a sua revisão, com vigência a partir de 2023, fora do período eleitoral

Exclusivo para assinantes
Por Claudio Adilson Gonçalez
2 min de leitura

Quando o teto de gastos (TG) se tornou norma constitucional, com a aprovação da EC 95, no final de 2016, as expectativas em relação à disciplina fiscal ainda estavam muito abaladas pela gastança promovida pelos governos Lula e Dilma. Apesar da retomada da austeridade logo no início da administração Temer (maio de 2016), ainda não havia instrumento legal eficaz que garantisse frear a escalada do endividamento público.

Naquele ambiente, o TG teve papel decisivo para a melhora das expectativas dos agentes econômicos e foi um dos motivos – não o único, como costumam frisar alguns colegas – para o controle da inflação e a queda gradual da taxa básica de juro.

Vivemos situação semelhante. Após a inevitável explosão da dívida pública em razão da crise gerada pela pandemia, há sérias dúvidas sobre a manutenção da disciplina fiscal. Furar o teto, como o próprio presidente da República disse que estava em debate no governo, poderia desencadear um desastre econômico, com forte aumento do custo de rolagem da dívida pública, explosão da taxa cambial, nova contração da atividade econômica e até pressões inflacionárias.

No entanto, nada disso deve impedir o necessário debate sobre a revisão, com vigência a partir de 2023, fora do período eleitoral, do TG. Ao lado de suas virtudes, essa regra fiscal tem vários problemas, a saber.

O TG não resiste até 2026, ano em que, de acordo com a norma constitucional que o criou, poderá ser revisto.

De fato, simulação do próprio Ministério da Economia mostra que, mesmo levando em conta o impacto fiscal da reforma previdenciária e admitindo o congelamento real do salário mínimo e nominal das despesas com funcionalismo por mais seis anos, e os efeitos dos novos instrumentos de gestão fiscal propostos pela PEC 186 (PEC emergencial), o cumprimento do TG exigiria que a despesa discricionária caísse de 2,3% do PIB (2019) para 1% do PIB em 2026, com os investimentos (incluindo inversões financeiras) indo de 0,8% do PIB para 0,2% do PIB no mesmo período, o que, obviamente, é inviável.

Como se vê, o TG, tal como foi definido e dadas as imensas dificuldades para a redução rápida das despesas obrigatórias, mesmo com a aprovação de reformas estruturais, provoca forte compressão dos investimentos governamentais, que desde 2015 nem sequer cobrem a depreciação do estoque de capital existente, o que se nota na forte deterioração dos equipamentos públicos, especialmente infraestrutura.

Essa característica do TG aprofunda a queda da atividade nos ciclos recessivos e dificulta a retomada, dado que o multiplicador do investimento (efeito sobre o crescimento de cada real adicional investido pelo governo) é tipicamente maior do que a unidade, especialmente em países emergentes, ao contrário dos demais gastos primários, que geram baixo estímulo para a recuperação econômica.

Por certo, há enorme espaço para elevar a produtividade da despesa pública no Brasil, mas isso não será obtido levando a zero os recursos orçamentários destinados aos investimentos. Além disso, a atual regra fiscal não permite o planejamento e a execução plurianual dessas despesas, que geralmente demandam mais de um ano-calendário para serem completadas. Paralisações de obras por contingenciamentos desperdiçam recursos públicos, reduzem a produtividade da economia e dificultam a solvência fiscal.

Há propostas sérias já elaboradas para o aperfeiçoamento dessa regra fiscal, que precisam ser discutidas. Destaco o trabalho dos economistas Fábio Giambiagi e Guilherme Tinoco, que propõe a criação de um subteto para investimento e moderados aumentos reais das despesas primárias. Como disse Vinicius Torres Freire em excelente artigo recente na Folha de S.Paulo, “derrubar o teto, sem mais, é suicídio; sacralizá-lo é um erro”. * ECONOMISTA, DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA