EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Pesquisador em Educação e doutor em Economia pela Universidade Vanderbilt (EUA), Claudio de Moura e Castro escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A asfixia pelo diploma

Exigir diplomas pode fazer sentido. Mas o erro é ignorar as diferenças entre as áreas científicas e aquelas profissionais ou de serviços.

Atualização:

O bom senso indica que as leis devem ser feitas para melhorar o funcionamento da sociedade. Mas podem atrapalhar. Isso acontece com exigências descabidas dos diplomas de mestrado e doutorado.

Jorge Gerdau poderia ser diretor de uma escola técnica federal de metalurgia? Afinal, ele entende disso. Amaro Lanari Júnior, notável presidente da Usiminas, poderia dirigir a escola técnica de metalurgia de Ouro Preto? Rubens Menin, o poderoso líder da construção, poderia ensinar num curso de Engenharia Civil de uma universidade federal? Washington Olivetto, no auge de sua carreira, poderia ser aceito como professor da USP? Rafael Lucchesi, comandando 738 escolas do Senai, estaria autorizado a dirigir uma escola técnica federal? E Jorge Paulo Lemann, graduado de Harvard, poderia ensinar Administração?

Pelé professor de futebol num curso federal de Educação Física? Afinal, sabia jogar e foi ministro do Esporte. E Bernardinho, ensinando vôlei?

Jacques Klein, o maior pianista de sua geração, seria aceito como professor numa universidade federal?

A todas essas perguntas, a resposta é um retumbante NÃO! A legislação do Ministério da Educação (MEC) exige doutorado para dirigir uma escola técnica federal. E as universidades federais exigem ao menos especialização para ser professor.

Isso gera situações pitorescas. Bruno Kieffer dirigiu o Departamento de Música da UFRGS porque tinha um doutorado, em Matemática. Era professor na UnB Claudio Santoro, um dos mais destacados compositores de música contemporânea. Tinha uma posição mais modesta que a de um colega cuja tese de Ph.D. versava sobre a obra de Claudio Santoro.

E o caso de um estudante de Física da UFRJ, tão genial, que foi mandado para o MIT no meio da graduação? Lá, saltou direto para o doutoramento. Ao completá-lo, pleiteou uma posição na mesma UFRJ. Foi-lhe negado o pedido, pois não tinha diploma de graduação.

A Universidade Positivo tinha de escolher um professor para o seu Tecnólogo de Manutenção. Um candidato era o chefe da manutenção da Volkswagen. O outro, um jovem mestrinho, jejuno de experiência. Se escolhesse o primeiro, sua avaliação no MEC cairia, pois não era mestre.

São todos casos em que a legislação é claramente nociva aos interesses da sociedade. Por que esta aberração? Vejamos como tais assuntos são tratados em países bem-sucedidos.

Quando estudava em Berkeley, alguém apontou para um barbudo de aparência algo rústica: “Lá vai Eric Hoffer, estivador e pesquisador associado da universidade”.

Quando Joichi Ito virou diretor do Media Lab do MIT, tinha apenas diploma de High School – seu doutoramento foi realizado após deixar essa posição.

Uma jovem arquiteta, com seu mestrado da Johns Hopkins e três prêmios nacionais, candidatou-se a uma posição docente numa faculdade privada. Foi negada, pois seu mestrado não foi revalidado (embora a lei apenas exija graduação).

O Conselho de Economia ia prestar uma homenagem a Pedro Malan. Mas voltou atrás quando descobriu que, apesar do Ph.D. em Economia, sua graduação era em Engenharia. Vejam o contraste com o comitê do Prêmio Nobel. James Watson ganhou o de Física, sendo um zoólogo. Ganhou o de Medicina um estatístico. E, na Economia, três prêmios já foram para psicólogos.

Para começar, temos um vício atávico, a “síndrome do não pode”. Atrapalhar parece gerar um prazer recôndito nas “autoridades”. Há, também, o lobby dos Ph.Ds. Se ralaram para conseguir os seus, que os outros sofram outro tanto. E, óbvio, é mais doce a vida com reserva de mercado.

Exigir diplomas pode fazer sentido. Quando foi estruturada a nossa pós-graduação, havia que criar incentivos para o tremendo esforço de um doutoramento. E isso teve um impacto fortemente positivo. Porém o erro foi ignorar as diferenças entre as áreas científicas e aquelas profissionais ou de serviços. Entre outras, isso gerou as burrices citadas anteriormente.

Qual a essência do trabalho na profissão? Físico pesquisa e publica papers, como fazia Einstein. O mesmo com matemáticos e biólogos. Mas e advogados, engenheiros, administradores e enfermeiras? O cerne do seu trabalho é a prática profissional, e não publicar ensaios nefelibatas. Sendo assim, a busca deve ser pela excelência do seu desempenho no cerne do ofício, qualquer que seja.

As disciplinas, dentro de cada curso, também têm perfis distintos. Nas científicas, a formação acadêmica é mais relevante. Nas aplicadas, a experiência na profissão é fundamental (o que não dispensa uma sólida formação de base). A legislação ignora essas diferenças. É diploma e nada mais.

O que interessaria no currículo de Bruno Kieffer são seus livros de musicologia, não o intitulado Derivadas Parciais de Primeira Ordem.

Reclamaram da falta de doutores dois visitadores no recredenciamento de um curso de Direito. Durante a reunião, ponderou um velhinho: “Pois é, na minha época não havia tais programas, depois preferi fazer concurso para o Ministério Público. Mais adiante, pensei no doutoramento, mas preferi virar desembargador. Neste período, escrevi os livros que vocês tiveram de ler no mestrado”.

Parafraseando o jornalista Henry Louis Mencken, a cada situação complexa cabe uma lei simples, mas errada.

*

M.A., PH.D., É PESQUISADOR EM EDUCAÇÃO

Opinião por Claudio de Moura Castro
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.