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Opinião|A Constituição e a proteção do meio ambiente

H. D. Thoreau já preconizava a imperiosa necessidade de preservar fauna e flora...

Atualização:

A Constituição de 1988 introduziu, pela primeira vez na história constitucional do Brasil, capítulo relativo ao meio ambiente. E estabelece que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

A Constituição – que completa 33 anos em 5 de outubro – exige a observância de vários princípios visando a preservar e restaurar os ecossistemas, a biodiversidade e a integridade do patrimônio genético; proteger a fauna e a flora; evitar a poluição do ar, das águas e sonora; exigir a realização de estudo prévio de impacto ambiental para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de degradação do meio ambiente; controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; e promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente. Define como patrimônio nacional a Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal Mato-grossense e a zona costeira, estabelecendo que sua utilização se fará, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente. E estabelece ainda que é função institucional do Ministério Público promover o inquérito civil e a ação civil pública para a proteção do meio ambiente.

Recordo-me de que em 1984, quando retornei dos Estados Unidos após concluir na Universidade Yale o mestrado e o doutorado em Direito, como coordenador da pós-graduação na UnB, apresentei proposta para criação da disciplina de Direito do Meio Ambiente. Com a resistência surpreendente de alguns professores, foi introduzida no mestrado em Direito. No Brasil só existia o curso no interior de São Paulo, sob os auspícios do professor Paulo Affonso Leme Machado. Na Europa e nos EUA, na época, a disciplina Environmental Law já integrava os currículos das Faculdades de Direito havia décadas.

Em 1992 escrevi artigo neste jornal sobre a ECO-92, a segunda conferência da ONU sobre meio ambiente e desenvolvimento. Na primeira conferência, em Estocolmo, 20 anos antes, prevaleceram as perspectivas dos países industrializados em detrimento dos países em desenvolvimento, na época cognominados de Terceiro Mundo. Na Conferência do Rio – na qual se reuniram chefes de Estado e especialistas em meio ambiente de todo o mundo em número sem precedentes numa reunião internacional – foi adotado e consolidado o princípio do desenvolvimento ecologicamente sustentável, como preconiza a Constituição brasileira. Em 1993 foram ratificadas a Convenção da Biodiversidade e a Agenda 21, relativa ao terceiro milênio.

Nos anos 80 e 90 foram amplamente difundidos na comunidade internacional conceitos de interdependência em matéria ambiental, de fácil compreensão. Um dos objetivos da criação no século 19 das Comissões do Reno e do Danúbio foi – ao lado da liberdade de navegação – evitar a poluição no interesse dos países da Europa por onde passam esses rios. A não poluição dos Grandes Lagos interessa tanto aos EUA como ao Canadá. A cessação das experiências atômicas americanas ou francesas no Pacífico, objeto de decisões da Corte Internacional de Justiça, foi do interesse não só da Austrália mas de todo o mundo. E a preservação da flora e da fauna em nível universal, bem como a diminuição da emissão de gases poluentes na atmosfera – causadores do denominado efeito estufa – transformaram-se em interesses comuns da humanidade.

As atenções do mundo voltam-se agora, no século 21, para o aquecimento global (global warming) e as mudanças climáticas (climate changes) e seus efeitos potencialmente desastrosos para a vida no planeta e o futuro da humanidade. O Acordo de Paris – o compromisso mundial assinado em 2015 durante a realização na França da COP-21, a Conferência sobre as Mudanças Climáticas – estabeleceu a redução da emissão de gases de efeito estufa a partir de 2020, substituindo o Protocolo de Kyoto. Os países signatários comprometeram-se com as metas para manter o aquecimento abaixo de 2 graus Celsius, limitando-se a 1,5 grau nos próximos cem anos, reduzindo, assim, os impactos ambientais.

A China, os Estados Unidos, a União Europeia, a Índia e a Rússia, conforme dados científicos da Our World in Data, organização baseada na Universidade de Oxford, são os maiores emissores de dióxido de carbono (CO2) para a atmosfera, seguidos de Japão, Alemanha, Indonésia, Canadá e África do Sul. O Brasil ocupa o 11.º lugar, com emissões de 465,7 milhões de toneladas. As emissões de CO2 da China atingem 10,17 bilhões de toneladas; as dos EUA, 5,92 bilhões; da União Europeia, 2,92 milhões; da Índia, 2,62 bilhões; e da Rússia, 1,68 bilhões.

É preciso, portanto, recordar a advertência do notável naturalista Henry David Thoreau, que na Nova Inglaterra, em meados do século 19, preconizava a imperiosa necessidade de preservar a fauna e a flora “para as presentes e futuras gerações”. O futuro da humanidade depende da preservação da natureza.

DOUTOR EM DIREITO POR YALE, PROFESSOR DA UNB, FOI PROCURADOR-GERAL DA REPÚBLICA (1995-2003)