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Opinião|A economia da saúde e a saúde da economia

A economia da saúde deve crescer, mas a saúde da economia seguirá mal

Atualização:

Na análise econômica há a economia da saúde, área voltada para a alocação e gestão de recursos nesse setor de forma eficaz, eficiente, com equidade social no acesso aos serviços, e seu custeio público ou privado. Com o coronavírus, o momento atual oferece campo fértil a essa área.

Com a indispensável expansão dos gastos públicos em saúde, que levará à expansão do endividamento público, transferindo para gerações futuras parte desse ônus, infelizmente há também quem pegue carona nessa situação buscando estender gastos públicos em geral e/ou buscando vantagens descabidas. Assim, vi propostas de revogar o teto desses gastos, em boa hora fixado pelo governo Temer em 2016, mediante emenda constitucional. A crise nas finanças públicas permanece e essa emenda não impede maiores gastos em situações excepcionais, como a atual. Não cabe suspender esse teto de forma generalizada, o que prejudicaria a defesa que ele representa para evitar a contaminação das despesas públicas por vírus interesseiros de grupos que aeticamente atuam sem pensar no interesse público.

Nesse contexto, minha preocupação com a situação das finanças públicas aumentou, pois, além do acréscimo de despesas, haverá perda de receita, ligada à recessão já em andamento, decorrente das medidas já tomadas contra o coronavírus, como o “fica em casa”, que reduz a demanda de bens e serviços, e a proibição de atividades, como no comércio, com a ressalva de casos como os de supermercados, farmácias e padarias. Além dessa queda de arrecadação, há a pressão de entidades empresariais para suspender ou reduzir pagamentos de impostos pelas mais variadas razões, algumas até admitidas pelo governo, como o pagamento de salários e proteção ao trabalho. Surpreendeu-me, entretanto, por seu esperado impacto sobre a receita do Estado de São Paulo, a notícia de que a Fiesp e o Ciesp recorreram ao Judiciário estadual pedindo a suspensão por 180 dias, pelas indústrias, do recolhimento de tributos estaduais relativos ao período de março a junho, com destaque para o ICMS, o principal. Note-se que esse tributo viria de transações já realizadas, nas quais foi pago pelos compradores. As contas estaduais ficariam ainda muito mais estressadas se tal pedido fosse atendido. Espero que o governo estadual seja chamado a apresentar sua defesa no processo. 

No meio de tantas notícias ruins, uma boa para o Brasil, a de que o coronavírus prolifera menos em climas mais quentes. Veio do prestigioso Massachusetts Institute of Technology (MIT), dos EUA, em 24 de março, neste jornal. Pesquisadores descobriram que as transmissões do vírus ocorrem majoritariamente nas regiões com temperaturas entre 3 e 17 graus Celsius. Já havia notado que na Itália o vírus é mais atuante no norte que no sul e o mesmo se dá no caso mais recente dos EUA. Vi que ontem a temperatura prevista por este jornal seria de 17º pela manhã, 29º à tarde e 19º à noite, predominantemente acima do intervalo citado. 

Assim, o clima poderá arrefecer o impacto do vírus no Brasil, mas vale lembrar que o inverno está chegando e as Regiões Sul e Sudeste correrão maior risco nesse período. Também vale lembrar que nas favelas o contágio esperado é maior, dado o alto número pessoas por cômodo residencial, às vezes único. Ou seja, o clima poderá ser uma bênção, mas temos também esses fatores em contrário. Ademais, seria temerário dar grande divulgação a esse efeito do clima, pois poderia provocar arrefecimento do “fique em casa”, recomendado pelas autoridades da saúde.

Na linguagem do assunto, a estratégia tentativamente seguida pelo Brasil até aqui, não sem percalços, é a de supressão, assentada em forte redução dos contatos interpessoais. Também deve ser vista como forma de ganhar tempo até que sejam ampliados os serviços hospitalares, os equipamentos necessários e os testes cabíveis. Estes são altamente recomendados, aplicados a grandes amostras, inclusive de pessoas sem sintomas aparentes, para identificar aspectos como a localização dos resultados positivos, as faixas etárias e as formas de contágio.

Pensando na saúde da economia, e no seu efeito sobre a receita tributária, tal estratégia é também a de impacto mais forte no horizonte imediato. Na economia foram preservadas atividades ligadas ao abastecimento das famílias, mas tenho visto muitas reclamações de caminhoneiros quanto às suas necessidades de alimentação e de combustíveis, apontando que muitos postos de abastecimento foram fechados. Não sei se foi por decisão de seus proprietários ou de autoridades regionais ou locais, o que precisaria ser revisto, em particular para os postos situados nas próprias estradas, sem maiores problemas de aglomeração. Sem abastecimento para os caminhoneiros, o nosso também ficará prejudicado, o que poderá levar a um desastre social de enormes consequências.  Voltando ao título, a economia da saúde deve crescer, mas a saúde da economia seguirá mal por tempo ainda indefinido.

ECONOMISTA (UFMG, USP E HARVARD), PROFESSOR SÊNIOR DA USP, É CONSULTOR ECONÔMICO E DE ENSINO SUPERIOR