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Opinião|A festa acabou, a recessão bate à porta

Já não se pede para aprovar reforma alguma. Planejemos o futuro. Basta de perder tempo.

Atualização:

A ilusão do crescimento econômico deste ano, na esteira do aumento dos preços das commodities e da base deprimida de comparação, fica agora mais evidente. A economia brasileira poderá crescer até 5% neste ano, mas voltará à mediocridade em 2022. O contexto político conflagrado e o desrespeito às regras do jogo e às instituições democráticas afetam fortemente os mercados e colocam o País em posição extremamente frágil. No campo social, o presidente da República e o Ministério da Economia falharam na coordenação de políticas públicas à altura do desafio de superar os efeitos da crise pandêmica.

Mercados não aceitam desaforo. Quando o governo se mostra incapaz de tomar decisões acertadas e não aponta para um futuro claro, com responsabilidade fiscal e controle da inflação, os juros sobem para atender ao apetite pelo risco. Financiar a dívida sai mais caro para o Tesouro Nacional e sobra menos espaço no orçamento público. Estado e mercado são instituições centrais da democracia, como sempre defende o ex-ministro Antônio Delfim Netto.

A convivência harmônica entre essas duas instituições é o que garante o progresso econômico e social. O atual governo não compreende essa premissa básica para o funcionamento de uma economia capitalista moderna, que busque também a redução das mazelas sociais. Ao contrário, troca os pés pelas mãos, na agenda de reformas, por meio de propostas mal-ajambradas, como a recém-aprovada reforma do Imposto de Renda.

No lado fiscal, pretende parcelar as despesas com precatórios, burlando o teto de gastos. No melhor estilo da contabilidade criativa, busca alterar a regra do jogo para poder vencer a partida. Isso é como gasolina na fogueira para os agentes econômicos. A sinalização de que regras podem ser alteradas ao sabor da conjuntura é péssima. Ora, credibilidade se conquista a duras penas. Para perder, no entanto, um estalar de dedos é suficiente.

Não bastasse a incompetência gerencial e de formulação de boas políticas econômicas, o País perde a oportunidade de aproveitar o atual ciclo de alta das commodities para tomar medidas de ampliação da abertura comercial, aumento da produtividade e dos investimentos em infraestrutura. O governo não é, sob esse aspecto, nem liberal nem desenvolvimentista. É simplesmente um “desgoverno”. Não é de direita nem progressista. É vazio de ideias e incompetente na ação.

No âmbito político-institucional, as ameaças ao Supremo Tribunal Federal (STF) abalam ainda mais as expectativas e produzem apreensão na sociedade, nos mercados e no resto do mundo. A carta do presidente ajudou a acalmar os ânimos, mas as promessas são pouco críveis. Num dia, sobe ao palanque para pedir a cabeça de um ministro do STF. No outro, publica carta mudando radicalmente o tom. Em qual desses dois presidentes devemos acreditar?

No orçamento público, que deveria ser o ápice do processo democrático, onde se dá a partilha do bolo, cometem-se barbaridades em série. Nunca foi tão verdadeiro que se trata, de fato, de uma peça de ficção. As chamadas emendas do relator-geral do orçamento, a tentativa de mudar as regras na iminência de rompê-las, a preservação de benefícios tributários a setores amigos, a falta de gestão e baixa eficiência do gasto são problemas não superados. Uma reforma fiscal ampla será necessária, mas só quando tivermos um governo sério, capaz de dialogar e construir.

Os mais pobres sentem, cotidianamente, o peso da incompetência de Brasília. A inflação medida pelo IPCA atingiu 9,7% no acumulado em 12 meses até agosto. O INPC já ultrapassa os 10% e, pior, os itens importantes na cesta dos brasileiros mais pobres estão subindo intensamente. O arroz e o feijão preto, base da alimentação no nosso país, estão subindo a 33% e a 18%, respectivamente. As carnes aumentam a 31%; o óleo de soja, a 68%; e o grupo alimentação no domicílio está subindo 16,6%.

A verdade é que a carestia, uma palavra antiga, que estava em desuso, voltou a fazer parte do vocabulário nacional. O auxílio emergencial pago atualmente, de R$ 250/mês, não é suficiente para alimentar uma família de quatro pessoas nem por duas semanas. Um governo que não provê o mínimo, sobretudo em tempos de guerra, é incompetente. O mercado de trabalho só reagirá com crescimento econômico.

Este ambiente político conflagrado é veneno na veia do desenvolvimento, do controle inflacionário e das engrenagens da democracia. A ilusão de que Bolsonaro seria um político liberal e de que seu ministro da Economia promoveria uma verdadeira agenda de reformas, privatizações e medidas modernizantes acabou. Desmanchou-se no ar de uma vez por todas.

O melhor que podemos fazer, neste momento, é pensar o futuro e mobilizar forças empresariais, políticas, econômicas e sociais na direção de um novo projeto para 2023. Até lá, ajudar a evitar novos equívocos. Já não se pede mais para aprovar reforma alguma, sob risco de piorar o que funciona razoavelmente, como no caso do Imposto de Renda. O momento é de planejar o futuro. Basta de perder tempo!

* SÓCIO-FUNDADOR DA TENDÊNCIAS CONSULTORIA INTEGRADA