EXCLUSIVO PARA ASSINANTES
Foto do(a) coluna

Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A geopolítica para a energia renovável

A transição climática vai gerar mudanças globais significativas que deverão conformar uma nova estrutura de poder internacional e de governança global

Atualização:

A Declaração de Glasgow sobre o uso da terra e das florestas, firmada por 105 países, inclusive o Brasil, enfatizou a interdependência de todos os tipos de florestas, biodiversidade e uso sustentável da terra para permitir que o mundo consiga atingir os objetivos de desenvolvimento e mudança de clima. Os países reafirmaram o compromisso do uso sustentável da terra e da conservação, proteção, manejo das florestas e reflorestamento. Para tanto, todos reconheceram que será necessária uma ação mais vigorosa entre as áreas interconectadas de produção sustentável e consumo; infraestrutura; desenvolvimento; comércio; finanças e investimento; além de apoio aos pequenos produtores, povos indígenas e as comunidades locais, que dependem da floresta para seu sustento e têm um papel-chave na sua preservação. Os países assumiram um firme compromisso de trabalhar coletivamente para alterar e reverter a destruição das florestas e a degradação da terra até 2030.

A Declaração de Glasgow, combinada com a dos líderes do G-20 e com os resultados da COP-26, apesar de abaixo do esperado, trará implicações geopolíticas na transição para a contenção do aquecimento global. A transição climática vai gerar mudanças globais significativas que deverão conformar uma nova estrutura de poder internacional e de governança global nas próximas décadas.

Vale ressaltar dois aspectos dessa geopolítica: a corrida em busca de fontes renováveis de energia, que, nesta nova fase, vai consolidar os novos países hegemônicos, e a cooperação internacional entre as nações.

A corrida dos países para tornar-se uma superpotência renovável trará como consequência o surgimento de vencedores e perdedores. A mudança para as energias renováveis deverá democratizar os sistemas energéticos, mas também vai colocar um encargo adicional nas nações em desenvolvimento mais pobres que dependem de exportações tradicionais e/ou não têm recursos para investir na transição climática. Por outro lado, as nações mais ricas, exportadoras de petróleo e que têm capacidade de liderar a transformação climática com tecnologia verde, poderão mais facilmente se beneficiar financeiramente e superar os custos sociais decorrentes da mudança. A China, que controla grande parte da tecnologia e das matérias-primas necessárias para a produção de energia renovável, terá vantagens econômicas e geopolíticas na mudança para as fontes de energia renováveis, o que deverá acelerar sua consolidação como uma superpotência global. Os desafios que poderão surgir pelos desníveis da produção energética ficaram evidentes na recente crise do gás e do carvão, demonstrando que os países devem investir mais nas suas próprias capacidades de gerar energia renovável a fim de proteger-se e aumentar sua própria resiliência. Os desafios imediatos que a crise apresenta podem adiar os avanços já conseguidos nas ações climáticas, como se viu na impossibilidade de compromisso para eliminar o consumo de carvão pela Índia e pela China.

A natureza global das questões de mudança do clima demanda ampla cooperação de EUA, Europa, Rússia e China, além dos demais países desenvolvidos e em desenvolvimento em torno desta agenda. Será um desafio para o multilateralismo, porque requererá a priorização de ações coletivas sobre necessidades domésticas imediatas e uma dinâmica geopolítica mais ampla para produzir soluções conjuntas em vista de desafios comuns. O futuro da cooperação internacional tem que ver com as possibilidades desta cooperação na transição climática e na perspectiva de resultados concretos. Apesar dos compromissos assumidos pelos EUA e pela China em comunicado ao fim do encontro de Glasgow para cooperação nas ações de mudança do clima, a ausência do presidente chinês, Xi Jinping, na COP-26 sugere a existência de limitações significativas para as oportunidades de cooperação dos países ocidentais com a China na mudança do clima. Mesmo quando a China se prepara para assumir um papel de relevo na mudança do clima e quer ser vista como um país líder nessas questões, ela continua cautelosa, evitando engajar-se em compromissos proativos com os EUA e a Europa, especialmente quando isso pode ser visto como uma concessão ao que considera como objetivos centrais ocidentais. A dificuldade de cooperação deriva, entre outros fatores, da crescente tensão entre países desenvolvidos e em desenvolvimento no tocante ao financiamento necessário para apoiar as economias mais frágeis na adoção de políticas mais radicais. O G-20 reafirmou o compromisso de recursos muito inferiores aos US$ 100 bilhões prometidos em 2015.

No contexto geopolítico, o Brasil poderia e deve ter um lugar de realce, recuperando sua credibilidade e se afirmando como uma superpotência renovável. Sua matriz energética é limpa e suas emissões de CO2 e de metano derivam basicamente dos ilícitos na Amazônia e do setor pecuário. O mercado de carbono poderá trazer grandes recursos ao Brasil. A meta de 2030 de redução do desmatamento poderá ser alcançada com a mudança da política ambiental e com a repressão e a fiscalização dos ilícitos na Amazônia. Os compromissos assumidos na COP-26 pelo governo brasileiro devem ser cumpridos, com a apresentação de resultados concretos.

*

PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa
Comentários

Os comentários são exclusivos para assinantes do Estadão.