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Presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice) e ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-99) e em Washington (1999-2004), Rubens Barbosa escreve mensalmente na seção Espaço Aberto

Opinião|A Otan e o Brasil

Não está claro quais são as obrigações que decorrem da atual situação do País, convidado para ser parceiro estratégico do tratado.

Atualização:

Por inspiração dos EUA, a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Otan) foi criada em 1949 como parte de uma rede de defesa do Ocidente, no início da guerra fria com a URSS. Em 1955, surgiu o Pacto de Varsóvia, que, comandado pela URSS para se contrapor à Otan, foi extinto com o fim da União Soviética. Ao longo de sete décadas a Otan atravessou várias fases e implementou diversos conceitos estratégicos, passando de uma aliança militar dissuasória, destinada à defesa coletiva territorial, para um instrumento político-militar, voltado para a defesa dos interesses dos países-membros além de seus limites originais. A expansão da Otan nos anos recentes – ao contrário das conversações mantidas pelo secretário de Estado James Baker e pelo primeiro-ministro Helmut Kohl, da Alemanha, com Mikhail Gorbachev em 1991, quando do desaparecimento da URSS – coloca desafios para todos os países, agravados a partir da guerra da Rússia contra a Ucrânia.

A inclusão de novos membros a partir de 1997, a intervenção na Iugoslávia em 1999, a inclusão da Suécia e da Finlândia e a redefinição de sua estratégia em junho de 2022 evidenciam a expansão dos limites de atuação da Otan e a ampliação de seus interesses, vistos como ameaçados, o que já vem acarretando um aumento das despesas militares de todos os países-membros e a mudança da política de Defesa da Alemanha, depois de quase 70 anos.

Cabe mencionar algumas decisões tomadas pela Otan que afetam ou podem afetar interesses brasileiros, a começar pela diretriz estratégica de 2010, seguida de decisões recentes tomadas na reunião de alto nível de Madri, em junho de 2022.

Na definição do Conceito Estratégico da Otan em 2010, o Atlântico Sul não foi incluído como área geoestratégica prioritária, o que não exclui totalmente a possibilidade da atuação da organização “onde possível e quando necessário”, caso os interesses dos membros sejam ameaçados. Portugal, nessa discussão, apoiou a Iniciativa da Bacia do Atlântico, que previa a unificação dos oceanos, com a incorporação dos assuntos do Atlântico Sul no escopo estratégico da organização. O Brasil sempre deixou clara sua reserva no tocante às iniciativas que incluam também a Bacia Atlântica e, via de consequência, o Atlântico Sul, como área de atuação da Otan. O sul do Atlântico é área geoestratégica de interesse vital para o Brasil. A Política Nacional de Defesa menciona o Atlântico Sul como uma das áreas prioritárias para a defesa nacional e amplia o horizonte estratégico para incluir a parte oriental do Atlântico Sul, mais a África Ocidental e Meridional.

Na reunião de cúpula em Madri, em junho passado, os países-membros, na maior revisão estratégica dos últimos 30 anos, redefiniram a estratégia da Otan e declararam a Rússia como sendo a ameaça mais direta e significativa à paz e à segurança. E incluíram a China como um desafio aos interesses de seus membros, além de terem dado prioridade a novas questões, como a de mudança de clima. A redução das emissões de gás de efeito estufa passou a ser um objetivo que estará presente em todas as tarefas essenciais da Otan, por meio de suas estruturas políticas e militares.

A inclusão da China como um desafio justificou o convite, pela primeira vez na História, do Japão, da Coreia do Sul, da Austrália e da Nova Zelândia para participar do encontro e assinar dois acordos sobre defesa cibernética e segurança marítima. A esse importante desenvolvimento junte-se o pacto estratégico entre os EUA, Reino Unido e Austrália para a aquisição de submarinos, inclusive nucleares, e o acordo entre os EUA, Índia, Emirados Árabes Unidos e Israel (I2U2) para mostrar presença no Mar do Sul da China e na defesa de Taiwan. Na prática, com esse novo conceito estratégico, a Otan ampliou ainda mais sua expansão e retomou a doutrina da guerra fria, que, para muitos setores dos EUA e da Europa, nunca havia desaparecido.

A nova guerra fria, agora contra a China e a Rússia, poderá levar a uma nova divisão do mundo entre o Ocidente e a Eurásia.

Qual a repercussão deste novo quadro geopolítico para o Brasil? Nos últimos anos, o Brasil vem sendo associado à Otan, com a designação, pelo presidente Donald Trump no início do atual governo brasileiro, como um aliado prioritário dos EUA extra-Otan, e, posteriormente, convidado para ser parceiro estratégico do tratado, podendo ter acesso aos seus equipamentos militares de forma preferencial e tornar o País elegível para maiores oportunidades de intercâmbio, assistência militar, treinamentos conjuntos e participação em projetos.

Não está claro quais são as obrigações que decorrem dessa situação nem se houve entendimentos posteriores do governo brasileiro com as autoridades da Otan. Não há informação sobre se a nova política de segurança em relação à mudança de clima voltará sua atenção também para a Amazônia, nem se a Otan reagirá em relação ao transporte de combustível no Atlântico Sul para o submarino nuclear brasileiro em exame na Agência Internacional de Energia Atômica. Fica a questão, ainda, se a Otan ou os EUA (na próxima visita do secretário de Defesa ao Brasil) vão reagir ao anunciado exercício naval de Rússia, China e Irã na América Latina e no Caribe, com base na Venezuela, em agosto.

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PRESIDENTE DO IRICE, É MEMBRO DA ACADEMIA PAULISTA DE LETRAS

Opinião por Rubens Barbosa
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